Sabe aquelas histórias reais que de tão impressionantes e inspiradoras parecem ter acontecido para, posteriormente, ganharem vida nos cinemas? A da busca da britânica Philomena Lee por seu filho Anthony é uma delas. A direção de Stephen Frears, responsável por ótimas obras como “A Rainha” e “Ligações Perigosas”, e o roteiro de momentos ácidos escrito por Steve Coogan e Jeff Pope, porém, não deixa “Philomena” virar um filme piegas, como ocorre em muitas reconstituições do tipo. O que temos, então, é um trabalho enxuto, bem resolvido e, ainda, assim, bastante tocante.

A trama conta parte da vida da personagem-título, uma senhora muito religiosa de quase 70 anos de idade. Peças aprontadas pelo destino ajudam-na a conhecer o jornalista Martin Sixsmith (Steve Coogan), exatamente quando este passa por um momento de transição na carreira e quando ela decide contar seu maior segredo para a filha. Há quase 50 anos, Philomena (Judi Dench) teve seu filho tirado de seus cuidados e adotado por uma família desconhecida. E é essa busca que une ambos, que leva-os a embarcar em uma viagem cheia de revelações. Se ele está atrás de uma boa história de interesse pessoal, ela quer uma novidade qualquer.

Cuidadoso desde o primeiro segundo de projeção, Stephen Frears faz uso de sua conhecida frieza para dar naturalidade ao encontro entre os dois protagonistas, pertencentes a mundos quase opostos. E dessa mesma forma, com elogiável discrição, ele guia o restante da  trama, afastando-se de sentimentalismos baratos, deixando a narrativa emocionar por si própria. A trilha sonora de Alexandre Desplat também adere ao objetivo, contribuindo para um clima de leveza e realismo, em que o riso pode ser seguido por um choro comovente, em que o ódio pode anteceder uma atitude de bondade transbordante.

Estamos diante, no entanto, de um filme de roteiro, adaptado do livro “The Lost Child of Philomena Lee”, de Sixsmith. E Coogan e Pope não decepcionam, mas também cometem erros. Dando a impressão de que irá nos apresentar a uma história investigativa, a dupla realmente o faz nos primeiros 30 minutos, quando leva-nos a Abadia Sean Ross, em Roscrea, na Irlanda, onde Philomena viveu seus momentos mais dolorosos, e aos Estados Unidos, para onde teria ido o menino. Falhando ao resumir demais o encontro de algumas provas, o roteiro compensa ao fixar-se em sua principal meta: desenvolver seus personagens principais e a relação entre eles.

Comecemos com Martin Sixsmith, um jornalista que não nega sua formação. Bastante irônico, ele adiciona uma acidez essencial à trama, que vem juntamente com um humor discreto e um tom questionador. Acompanhar sua transformação em um homem mais sensível, observador e maleável é um dos grandes acertos do filme. A afiada interpretação de Steve Coogan também conta com discrição sábia de que ele é apenas uma plataforma para que conheçamos os efeitos causados por uma mulher no mínimo especial: Philomena.

Não temos aqui um endeusamento ou uma vitimização, mas apenas uma observação de uma mulher de princípios cristãos, mas que ainda assim podemos chamar de livre, que aceita outras crenças sem perder as suas, que odeia a simples ideia de ferir alguém, que acha a homossexualidade algo natural. Uma mulher, enfim, bem a frente de seu tempo, mesmo com sete décadas vividas. A performance sutil de Judi Dench, atriz bem mais versátil do que parece, faz da personagem-título uma senhora ainda mais incrível, que, mesmo sofrendo uma dor indescritível, encontra espaço para a graça.

Fazendo também denúncias graves sobre crimes cometidos pela Igreja Católica irlandesa, “Philomena”, porém, nunca perde seu tom leve e agradável. Adere ao estilo de vida de sua protagonista, apesar de alguns flashbacks desnecessários de carga dramática elevada. Com quatro indicações ao Oscar 2014 (filme, atriz, roteiro adaptado e trilha sonora), o filme é daqueles que ajudam a elevar o humor, que emocionam e que fazem você querer conhecer a personagem principal.