Abordagem burocrática desperdiça ótima premissa e resulta em uma experiência aborrecida e desinteressante.
Entre os vários aspectos que marcaram a personalidade de Adolf Hitler, a maioria negativa, evidentemente, estava o seu apreço pelas artes, especialmente a pintura. Ele próprio dedicava muito de seu tempo à atividade, tentando mais de uma vez, sem sucesso, no início do século XX, entrar para a Academia de Belas Artes de Viena. Em meados da década de 1930, já como o führer da Alemanha nazista e com os planos de se tornar um artista frustrados, Hitler passou a ser um obcecado colecionador, roubando diversas peças importantes durante a Segunda Guerra Mundial.
É nesse contexto que entram em cena os Caçadores de Obras-Primas, um grupo de historiadores da arte e curadores de museus que, com o aval do governo e do serviço militar norte-americano, se unem na tentativa de recuperar tais peças antes que Hitler, já encurralado e com o conflito praticamente perdido, as destrua. Uma pena, portanto, que uma premissa tão interessante seja desperdiçada em um filme absolutamente burocrático.
Baseado no livro de Robert M. Edsel com Bret Witter, ‘’Caçadores de Obras-Primas’’ é dirigido e protagonizado por George Clooney. Também responsável pelo roteiro, Clooney reedita a parceria de sucesso com Grant Heslov, três anos após “Tudo pelo Poder” e quase nove após “Boa Noite e Boa Sorte”, ambos projetos reconhecidos em diversas cerimônias de premiação. O longa ainda conta com um elenco recheado de nomes consagrados como Cate Blanchett, Matt Damon, Bill Murray, Jean Dujardin, John Goodman, entre outros. Entretanto, não houve elenco estelar ou parceria de sucesso que salvasse esta tediosa película.
Aqui, o diretor adota uma abordagem extremamente conservadora, que nem de longe lembra o diretor ágil e ousado do ótimo “Tudo pelo Poder”, seu último trabalho na função. O roteiro é raso e superficial, apoiando-se em personagens unidimensionais e sem carisma algum, apelando para arbitrariedades absurdas na tentativa de estabelecer um vínculo emocional com os espectadores. Determinadas cenas, que foram concebidas para causar esse impacto dramático, perdem força dada a fragilidade com a qual o script as constrói, beirando o constrangedor.
Neste sentido, a trilha sonora do excelente compositor francês Alexandre Desplat parece a todo tempo querer martelar nos espectadores um envolvimento emotivo completamente artificial. Apesar de alguns bons momentos, na maioria das vezes as composições soam quase infantis, à medida que, investindo em tons monocórdios, tentam a todo custo potencializar esse apelo fabricado que o longa não consegue sustentar por meio do roteiro, das atuações e da trama em si.
Por outro lado, o tom quase infantil que toma conta da trilha sonora casa perfeitamente com a infeliz opção de Clooney em criar uma atmosfera cômica completamente inadequada. Pior, tais momentos são ainda de péssimo timing, provando que comédia definitivamente não é o ponto forte do diretor. A cena em que um dos recrutas do grupo está sendo “dolorosamente” examinado na cadeira de um dentista, ao passo que tenta manter um diálogo com outro personagem presente no ambiente, é de um mau gosto tremendo.
Como se já não bastasse tal equívoco, “Caçadores de Obras-Primas” parece não saber transitar muito bem entre o seu lado cômico e o drama natural do enredo, uma vez que aquelas pessoas estão no meio de um conflito bélico sem precedentes na história da humanidade, arriscando suas vidas por um ideal, longe de casa e de suas famílias. Assim, a narrativa torna-se confusa e aborrecida, fazendo com que o filme acabe não cumprindo nenhuma das abordagens de maneira eficiente.
A cena em que o personagem interpretado por Matt Damon pisa acidentalmente em uma mina ilustra perfeitamente essa dificuldade. O suspense do momento é fatalmente atrapalhado pela sugestão de comicidade presente nos diálogos e na reação dos outros personagens envolvidos no plano. Dessa forma, em nenhum instante sentimos o real perigo daquela situação, já que o humor fora de hora destoa completamente da atmosfera dramática requerida pelo contexto.
Eis o que podemos estabelecer como o primeiro grande escorregão da carreira de George Clooney como diretor. ‘’Qual o real valor da arte?’’, pergunta determinado personagem já no terceiro ato do filme, em uma das muitas reflexões desperdiçadas pelo desequilíbrio da película. A julgar pela presente obra, não muito. Que seja apenas um breve contratempo no caminho deste que já provou ser talentoso na direção, mas que aqui passou longe de funcionar.