Em projeto bastante pessoal, atriz e cineasta reúne enorme elenco para reviver marcantes memórias de sua infância.
A eterna Céline na frente das câmeras também gosta de aventurar-se por trás delas. Se Julie Delpy colabora em boa parte dos roteiros dos filmes em que atua (com destaque para os dois últimos da trilogia iniciada com “Antes do Amanhecer”), ainda dirige alguns desses trabalhos. É o caso do cultuado “Dois Dias em Paris”, de 2007, e deste “O Verão de Skylab”, seu quarto longa-metragem na função. Em projeto bastante pessoal, a francesa resgata suas memórias mais marcantes, reúne um enorme elenco e realiza um filme leve e cheio de graça sobre uma família, sua gigantesca família.
A trama tem início em uma viagem de trem em família, em que uma discussão pífia leva Albertine (Karin Viard) a lembrar um final de semana da sua infância, mais especificamente os dias em que o satélite Skylab estava previsto para chocar-se com a Terra, em 1979. Então com 11 anos, ela (aqui interpretada por Lou Alvarez) parte com os pais, Jean (Eric Elmosnino) e Anna (Delpy), e a avó materna Prévost (Emanuelle Riva) para a região da Bretânia, para a casa da avó paterna Mamie comemorar o aniversário desta. Lá encontra-se com diversos tios e primos em uma algazarra realmente difícil de esquecer.
Simples em sua estrutura e intenções, a obra é escrita (também por Delpy) de uma nostálgica para outros tantos mundo afora. Mas não espere comover-se ou muito menos chorar durante os 110 minutos de projeção. “O Verão de Skylab” trata-se de um trabalho divertido e bem-humorado de tom bastante realista (como a maioria das obras francesas), protagonizado por uma pequena menina que não sabe que vive a época de sua vida, mas que a aproveita como deveria. Afinal, não é todo mundo que tem a sorte de pertencer a uma grande família que ainda mantém a tradição de reunir-se eventualmente.
A ocasião permite, para as crianças, explorar o enorme sítio da avó e também explorar um ao outro. Logo, expiar secretamente o cordeiro morto e o galinheiro da localidade mescla-se com momentos de descoberta da sexualidade, temática introduzida com a inocência necessária pelo roteiro. Há também tempo para assistir a desenhos e ouvir histórias de terror na cabana permitida apenas para menores de idade. Dando aos pequenos a privacidade que precisam, a trama adentra esse universo sem qualquer medo, respeitando seus pontos de vista, mas deixando alguns estereótipos surgirem.
O mesmo pode ser dito do núcleo dos mais velhos. Entre alguns copos de bebidas alcoólicas e conversas proibidas para menores, caricaturas são reiteradas, como a do tio Hubert (interpretado por Albert Delpy, pai da diretora), perdido entre seus traumas de guerra, e da tia Micheline, sempre estranha e desconfortável. Outros, porém, guardam uma bem-vinda esquisitice, como acontece com os pais de Albertine, orgulhosos por já terem apresentado a filha nada menos do que “Apocalypse Now”. Mas em geral, os personagens mantém um certo distanciamento do espectador em um erro quase inevitável para um longa tão repleto deles.
Cheio de energia e diálogos, o longa não resgata apenas os bons momentos. Discussões também marcam a trama, revelando uma família nem tão harmônica assim. Na verdade, Delpy é esperta ao aproveitar a oportunidade para contextualizar a história, passada na França do final dos anos 70, de esquerdistas e direitistas mais explícitos (que revelam-se na mesa do almoço) e de gente ainda horrorizada pela guerra do Vietnã. Ainda assim, a sensação é de uma universalização natural.
Poucas vezes, os europeus pareceram tanto com os brasileiros: acolhedores, simpáticos, brincalhões. Em sua defesa da família de antigamente, em que nenhum aparelho eletrônico e correria do dia-a-dia substituía o contato direto com aqueles que deveríamos amar, Julie Delpy realiza uma película carismática, de elenco super talentoso, que serve como passatempo divertido, especialmente para aqueles que sabem ou souberam o que é passar o final de semana na casa da vó.