Segundo reboot da cinessérie baseada nos livros de Tom Clancy chega com mais som e fúria que seus irmãos mais velhos.
Jack Ryan é o sonho molhado dos estadunidenses filiados ao Partido Republicano. Um homem de família, ex-militar com doutorado em economia e herói por acidente, mas que não resiste a entrar em ação para proteger a pátria e seus valores. Claro que algumas dessas características foram mitigadas nesta e nas quatro empreitadas anteriores que levaram o personagem ao cinema, até mesmo para atrair mais público, mas elas permanecem lá.
E isto não é algo necessariamente ruim. Afinal, trata-se de uma franquia dos Estados Unidos que reflete o ponto de vista dos seus realizadores, especialmente considerando que o protagonista é a coisa mais próxima de um 007 que aquele país já produziu. Este “Operação Sombra – Jack Ryan” é o segundo reboot da série e, ao contrário dos filmes passados, não é baseado em nenhum livro específico de Tom Clancy, criador de Ryan e de seu universo.
Dirigido por Kenneth Branagh, que parece ter tomado gosto por blockbusters de ação após o bem-sucedido “Thor”, o longa funciona como uma reintrodução do personagem. O roteiro, escrito por David Koepp (não por acaso, escriba do primeiro “Missão: Impossível” para o cinema) e pelo novato Adam Cozad, mostra alguns momentos da vida do novo Jack Ryan (Chris Pine) que foram apenas mencionados nas produções antigas, como o seu famigerado ferimento em combate, um dos pontos iniciais da narrativa.
Após uma árdua recuperação, Ryan impressiona o agente da CIA Thomas Harper (Kevin Costner), que o incentiva a terminar de tirar o seu Ph.D e entrar para uma unidade secreta da agência dedicada a localizar grupos terroristas por meio do financiamento destes, com pessoas infiltradas em grandes corretoras de ações.
Anos depois, Jack descobre nas operações financeiras escusas do magnata russo Viktor Cherevin (o próprio Kenneth Branagh) indícios de um possível atentado terrorista em solo americano, o que acaba por levar o inexperiente analista a ser ativado como operativo. Além disso, Jack ainda tem de lidar com as desconfianças de sua noiva, a Dra. Cathy Muller (Keira Knightley), que nada sabe de sua ocupação sigilosa.
Considerando os atores que deram vida a Ryan no passado (Alec Baldwin, Harrison Ford e Ben Affleck), a constante que temos é que o papel foi escrito para galãs carismáticos com tendências a interpretações mais exageradas, quase ao ponto do overacting. Portanto, a escolha de Chris Pine como protagonista faz sim sentido.
Já experiente em se sobressair em papéis eternizados por outros atores (vide “Star Trek”), Pine se sai relativamente bem, embora não apague a forte impressão que Ford deixou no papel. A seu favor, está o fato de o longa explorar um período pré-CIA de Ryan, o que o permite tornar o personagem mais seu.
Sua química com Keira Knightley funciona, com os dois bem entrosados em cena, o que torna fácil a torcida por eles. O que não funciona de jeito nenhum é a insistência do roteiro em inserir Cathy em campo (leia-se, jogá-la nas garras do vilão) e o fato de que, pela segunda vez em dois anos, temos Chris Pine em uma DR em meio a um momento crítico.
Embora Kevin Costner não tenha a mesma imponência de James Earl Jones ou Morgan Freeman, há um turbilhão contido em seu olhar e falas cadenciados que revelam muito sobre os traumas de seu Thomas Harper, com o ator se mostrando a vontade no papel de mentor e chefe de Ryan.
Koepp e Cozad costuram alguns dos “chavões” da franquia, como o pobre Jack gritando para quem quiser que é “só um analista”, bem como a minuciosa recriação militar que é tão comum nos livros de Tom Clancy. Ponto para os roteiristas e Kenneth Branagh neste sentido. Os realizadores também investem bastante tempo para estabelecer Jack como um personagem inteligente, com suas capacidades como analista destacadas.
É uma pena que o terço final da projeção se dedique a cenas de ação mais tradicionais, abraçando a tremedeira, pirotecnia e montagem frenética tão comuns hoje em dia. Tudo feito com competência, especialmente uma sequência de perseguição automobilística que usa todas as referências certas (John Frankenheimer soltaria um belo sorriso), mas é algo que empalidece perante o lado mais cerebral do longa e o diferencia dos seus irmãos de série. A semelhança com o atual clima de “007” também é acentuada neste ponto, havendo uma cena de luta quase que tirada da sequência de abertura de “007 – Cassino Royale”.
Um detalhe que pode tornar a fita um tanto quanto anacrônica é a insistência em vilões russos estereotipados em um clima de mocinhos e bandidos muito absoluto. Há o cuidado de inserir um contexto econômico nas ações de Cherevin, mas as motivações do antagonista se mostram políticas, o que encaixaria bem em tempos de Guerra Fria, mas que não se justificam hoje. Esse fator acaba por prejudicar a composição de Kenneth Branagh para o personagem, transformando-o em um amálgama que vai de suave sedutor a fanático nacionalista quase que de um instante a outro.
Apesar dos tropeços, “Operação Sombra – Jack Ryan” é um exemplar divertido do cinema de ação e faz jus à eficiente cinessérie baseada no personagem literário. O roteiro pode sim beirar o patriotismo ufanista, mas ao menos o resultado final diverte.