Adaptação de best-seller de 2005 traz os efeitos do nazismo para criança ver.
Praticamente um subgênero cinematográfico, os filmes sobre nazismo já mostraram consideravelmente as diversas facetas do horror que abalou o mundo entre 1933 e 1945. De filmes de guerra superproduzidos (como “A Lista de Schindler”) a uma divertida experiência tarantinesca (“Bastardos Inglórios”), a temática não cansa de ser explorada, até mesmo pelos mais improváveis cineastas. “A Menina que Roubava Livros”, adaptação homônima de best-seller de 2005, é mais um desses longas doloridos sobre o assunto, apesar de suas dores serem muito bem mensuradas e até apaziguadas.
Não por acaso, a trama é protagonizada por uma criança, a adorável Liesel Meminger (Sophie Nélisse). Após perder o irmão mais novo, a pequena alemã, em um contexto de pleno domínio do exército de Hitler (estamos em 1939), é entregue pela mãe biológica a uma nova família: o casal Rosa (Emily Watson) e Hans Hubermann (Geoffrey Rush). Adoradores do nazismo apenas de faceta, eles, especialmente o novo pai, ajudam a educá-la, ensinando-a a ler e incentivando sua nascente paixão por livros, ainda que proibidos. O amor dela pela leitura cresce ainda mais quando eles passam a abrigar em segredo um judeu, o carinhoso Max (Ben Schnetzer).
Passada quase que completamente na casa e na vila que habitam (esta ironicamente de nome “Paraíso”), poucas vezes perturbada por tropas nacionalistas, a história não passa de um conto de uma garota para outras crianças e adolescentes. Poupando o espectador do extermínio que ocorria a alguns quilômetros dali (até mesmo a origem e a fuga de Max são exibidas bem rapidamente), o diretor Brian Percival mostra apenas um esboço das restrições e medos causados pelos mandos e ideologias de Hitler. Ainda que o ponto de vista da narrativa esteja dentro de uma comunidade “amiga” do ditador, o tom infantil incomoda por sua inverossimilhança.
Embalada pela doce trilha sonora de John Williams (indicada ao Oscar sem merecimento), a trama até tem seus momentos de terror, seja por meio de discursos de ódio que exaltam o nazismo ou pelo retrato do pavor de ter de servir ao exército ou ser identificado por ele. Mas eles são tão tímidos e cheios de didática que em nada marcam o filme. O que fica, então, é a história bonitinha de uma garota cheia de vida que não leva desaforo para casa e que não hesita em adentrar a casa alheia para pegar emprestado alguns livros. O objetivo: contá-los para o novo amigo ou para adquirir vocabulário suficiente para escrever uma carta para a mãe biológica.
Ainda que focado mais nos personagens do que no contexto, o roteiro de Michael Petroni pouco se importa em aprofundá-los, muito menos de suas relações. Parece preocupado demais em reconstruir sequências vitais para a história, não concedendo tempo suficiente para que conheçamos melhor os participantes dela. Para uma menina que acaba de perder o irmão e ser abandonada pela mãe, Liesel soa feliz demais, satisfeita demais. O contrário pode ser dito de sua mãe adotiva, de um mau-humor inexplicável. Já Hans, o pai, pode conquistar por sua simpatia e por suas preocupações, enquanto Max não marca o público tanto quanto parece marcar a vida de Liesel.
Felizmente o elenco adiciona alguma credibilidade a “A Menina que Roubava Livros”, principalmente seus coadjuvantes. A energia imposta pela juventude de Sophie Nélisse empolga na maioria de suas sequências. O mesmo pode ser dito de Nico Liersch, intérprete de Rudy, fiel amigo da protagonista. Mas são Geoffrey Rush e Emily Watson que conseguem escapar da obviedade do roteiro e construir personagens mais críveis do que a história contada nas telonas. A narração em off da Morte (realizada por Roger Allam), porém, causa uma estranheza inevitável ao contradizer por completo o teor pacífico e fabusleco da direção de Percival.
O cineasta chega ao ponto até de exibir corpos mortos sem um pingo de sangue derramado ou sequer um machucado. Maquia demais um longa de direção de arte e design de produção esforçados, mas óbvios. E finaliza seu filme sem causar o choque ou a emoção que pretende, perdendo até mesmo a oportunidade de intrigar seu público alvo para um dos períodos mais tenebrosos do último século.