Desfigurando a criação máxima de Mary Shelley ao colocar um dos baluartes da ficção científica no meio de um tolo confronto místico, o que mata esse projeto não é a sua bizarra premissa, mas seus personagens esquizofrênicos e o péssimo roteiro, cheio de diálogos que beiram o trash.
Quando as distribuidoras estadunidenses impedem que a imprensa especializada assista a certo filme antes de seu lançamento, geralmente denota uma falta de confiança na qualidade da dita obra. Não por acaso, isso aconteceu com este “Frankenstein – Entre Anjos e Demônios”, uma das mais bizarras crias do clássico livro de Mary Shelley, considerando que o monstro já foi levado até para uma high school americana.
O conceito do longa veio da cabeça de Kevin Grevioux, um dos criadores da franquia “Anjos da Noite”, que levou sua bizarra premissa para os quadrinhos e aqui trabalha como roteirista e faz uma pequena participação como um dos capangas do vilão, aproveitando (mal) seu porte avantajado e voz profunda que o tornam perfeito para esse tipo de papel.
Muitas das ideias que Grevioux teve para o confronto entre vampiros e lobisomens lá na série estrelada por Kate Beckinsale são reutilizadas aqui, onde um dos motes da trama é uma guerra entre demônios e (acreditem) gárgulas enviadas pelo Arcanjo Miguel para proteger os humanos.
Dirigida e co-adaptada por Stuart Beattie (um dos roteiristas de “Piratas do Carine – A Maldição de Pérola Negra”), a produção é uma colcha de retalhos digna do personagem-título. Após resumir o original literário em noventa segundos, a fita mergulha em uma espiral de clichês mal encaixados e diálogos tão ruins que, em comparação, fazem os de “Crepúsculo” ter o selo Richard Linklater de qualidade.
Enfim, a trama mostra o monstro do livro de Shelley, aqui chamado de Adam Frankenstein (Aaron Eckhart), sendo arrastado para a batalha entre duas facções: os monstruosos Demônios, liderados pelo cruel príncipe Naberius (Bill Nighy), e os semiangelicais Gárgulas, chefiados pela “sábia” Rainha Leonore (Miranda Otto), que acaba se afeiçoando à criatura.
Um ser desprovido de alma, Adam é caçado por Naberius por motivos desconhecidos e adota como hobby matar os demônios enviados para capturá-lo. Até que, nos dias de hoje, ele resolve ir atrás do líder da horda demoníaca e descobre que este financia um programa para recriar os experimentos de Frankenstein, algo que pode mudar a balança na guerra santa.
Obviamente, Adam é um tipo torturado pela solidão e pelo seu passado, que fala grosso e não confia em ninguém, até conhecer uma cientista humana, Terra (Yvonne Stahovski), que amolece seu coração. O relacionamento entre os dois, que deveria ser o centro emocional da história e levar o público a criar empatia para com o protagonista, é desenvolvido de maneira atropelada e tola, jamais explicando o que um vê no outro além da beleza física.
E este é outro problema da película. O monstro de Frankenstein, por definição, é uma criatura que se afasta da humanidade por se sentir uma aberração. Mas, por necessidade mercadológica, o longa nos entrega um Frankenstein galã. A maquiagem feita em cima de Aaron Eckhart é muito leve e as poucas cicatrizes não encobrem as feições simétricas do ator.
Mesmo uma diferença entre os olhos do personagem, sugerida visualmente em sua primeira aparição, logo desaparece, com a mocinha até comentando, em cena posterior, sobre as qualidades no olhar do protagonista. Por falar nas interações entre o herói e sua parceira, faz tempo que o cinema não vê um casal tão sem química na tela. Nada justifica os sentimentos que Adam e Terra acabam nutrindo um pelo outro.
A natureza da relação jamais é explicada pelo filme, o que faz com que o clímax da produção se torne um deus ex machina ao invés de ser uma conclusão lógica para um arco dramático envolvendo o mocinho e sua amada (?). Se bem que, considerando que o grande MacGuffin do filme tem relação com uma guerra que já parece ganha, esperar coerência nas motivações dos personagens parece pedir demais.
Chega a ser espantoso que profissionais do calibre de Eckhart e Miranda Otto tenham aceitado participar desta desventura. Bom, com o roteiro a soltar pérolas como o diálogo dos vilões sobre como atrair Adam ou o já clássico “EU SOU UM PRÍNCIPE DEMÔNIO!” que Bill Nighy solta em dado ponto da projeção, há ainda a distinta possibilidade dos atores terem sido ludibriados a pensar que o projeto era uma comédia (o que explicaria a voz rouca de Eckhart).
Bill Nighy, aliás, é o único que consegue se salvar em meio ao desastre, até por já saber de antemão da “qualidade” do texto (ele é um veterano da franquia “Anjos da Noite”) e por perceber que o único jeito de lidar com um filme trash é abraçar o overacting, coisa que o experiente ator faz de maneira deliciosamente cômica. Já intérpretes menos habilidosos, como Jai Courtney, levam o material de uma maneira absolutamente séria, paradoxalmente tornando-se motivos de risadas involuntárias com isso.
O visual da produção tem claras influências góticas e do expressionismo alemão, com os efeitos especiais sendo o pilar que sustenta a experiência, especialmente na versão 3D, que mergulha fundo nos prédios em ruínas extremamente elaborados que servem de cenário para a aventura. Pena que ela seja tão vazia e monótona quanto o “Está vivo!” que os personagens bradam várias vezes durante a projeção, na vã esperança de nos remeter a versões mais inteligentes da criatura imaginada por Mary Shelley, que deve ter se revirado no túmulo ao ser lembrada pelos realizadores com um crédito de “agradecimento”.