Por meio da vida de um homem, filme conta parte da luta por direitos civis dos negros nos EUA a partir da segunda metade do século XX.
Um artigo publicado no Washington Post dias após a eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA, em 2008, foi a primeira e principal fonte de inspiração. Em “A Butler Well Served by this Election”, o jornalista Wil Haygood conta para o mundo boa parte da vida real de um homem negro que, durante mais de 30 anos, serviu ninguém menos do que sete presidentes norte-americanos, assim como aproveita para fazer um resgate histórico da luta por direitos civis da raça no país. Alguns ajustes aqui e alguns vários ali e Lee Daniels deu vida ao seu quarto filme, “O Mordomo da Casa Branca”, seu trabalho mais importante, mas nem de longe o melhor.
Após o sucesso de “Preciosa – Uma História de Esperança”, o cineasta retorna ao melodrama explícito, focando-se nos ditos “excluídos”. Mas se Claireece Jones servia como uma grande metáfora ao integrar várias minorias, Cecil Gaines traz de volta apenas o tema “segregação racial”. Sua completa trajetória (acompanhamo-lo de sua infância à velhice), porém, é apenas pretexto para algo muito maior, mais pretensioso. Assim como o artigo em que se inspira, o filme existe para falar de História, mais especificamente daqueles que durante séculos ficaram à margem da sociedade, humilhados, apenas por causa da sua cor de pele.
Exibição de fotos e reconstituição de discursos históricos a partir da segunda metade do século XX são apenas algumas das ferramentas que Daniels utiliza para abordar a temática, incluídas, em sua maioria, com bastante naturalidade. Em outras, o roteiro adaptado de Danny Strong força a barra para fazer o personagem principal tornar-se testemunha de conversas que originaram medidas e leis marcantes para o assunto abordado. Logo, não é raro ver Cecil manter-se invisível enquanto Eisenhower, Kennedy ou Nixon discutem o seu futuro e de seus familiares à sua frente, em sequências difíceis de engolir.
Por outro lado, o filme ganha força ao incluir o envolvimento, ainda que inventado pelo roteirista, do filho de Cecil, Louis Gaines (David Oyelowo), com a causa. Adolescente recluso, ele, diferentemente de seu pai, vai às ruas quando cresce, na luta por reconhecimento, fazendo-nos acompanhar o verdadeiro horror que era ser negro nos EUA durante os anos 60 e 70. A diferença de atitudes entre pai e filho, por sinal, é uma das grandes qualidades do roteiro de Strong, que não hesita em separá-los completamente, comovendo o espectador pela maneira nada romântica com que trata a relação.
Ainda assim, o longa não consegue fugir do maniqueísmo típico de produções que levantam bandeiras, mesmo que válidas. O desrespeito a alguns líderes norte-americanos, transformados em coitados ou completos imbecis (em especial Nixon, personificado por John Cusack) é o exemplo mais explícito. O que mais incomoda, porém, é a maneira desinteressante com que Cecil Gaines é apresentado. Sua passividade e bondade extrapolam o aceitável. A interpretação doce de Forest Whitaker (de entrega inegável) acentua ainda mais a característica, gerando uma sensação de pena e fragilidade.
Por isso mesmo, é fácil buscar refúgio na confusa mente de Gloria Gaines (Oprah Winfrey), a esposa do mordomo. É seu alcoolismo e temperamento forte que nos entretém quando a história torna-se repetitiva, bonitinha demais. A naturalidade de Winfrey, extremamente confortável depois de anos longe dos cinemas, faz dela a única personagem realmente crível de todo o filme, ainda que até seu nome, assim como o de seu marido e de boa parte dos personagens (as “adaptações” da história verdadeira não param por ai), tenha sido modificado quando adaptado para a tela grande.
Como diretor, Lee Daniels aposta a maioria de suas fichas, mais uma vez, no enorme elenco que têm em mãos (nomes como Robin Williams, Vanessa Redgrave, Terrence Howard, Mariah Carey e Lenny Kravitz o complementam). Com a fotografia noir de Andrew Dunn, bastante semelhante a de “Preciosa”, o cineasta concede sua câmera para os rostos dramáticos, dolorosos e expressivos de seus atores. Mas a pouca eloquência do texto não permite que alcance os mesmos resultados da produção de 2009, gerando menos emoção, mas mais reflexões, ainda que as falhas de “O Mordomo da Casa Branca” não o façam se tornar referência de um bom cinema.