Assim como o primeiro filme, esta continuação nada mais é que um especial televisivo de fim de ano lançado nos cinemas, contando com um humor rasteiro e personagens intragáveis.
Três milhões de pessoas foram aos cinemas brasileiros assistir ao desastroso “Até Que a Sorte nos Separe”. Um sucesso comercial deste porte exige uma continuação. E eis que, um ano depois, chega às telas nacionais este obviamente intitulado “Até Que a Sorte nos Separe 2”, desta vez com um orçamento maior e com locações nos EUA, mas que feito criativamente à toque de caixa, antes que o público esquecesse de Tino (Leandro Hassum) e companhia limitada.
A continuação basicamente descarta o final do primeiro filme e mostra que Tino e sua família voltaram à pobreza, morando em um minúsculo apartamento sem água ou eletricidade. Mas quando Jane (Camila Morgado) herda US$ 50 milhões de um tio que morreu, eles voltam aos bons tempos absolutamente do nada, mostrando que casais inteligentes enriquecem de maneira fácil.
Em uma viagem a Vegas para jogar as cinzas do parente falecido do Grand Canyon, Tino perde tudo em uma partida de poker no cassino e entra na alça de mira da máfia mexicana e novamente começa a mentir para a família sobre dinheiro, contando apenas com a ajuda do fiel Amauri (Kiko Mascarenhas) para sair desta situação.
Se, no primeiro filme, ao menos em sequências de flashback, era mostrado que Tino nem sempre foi um completo imbecil, aqui as características negativas do protagonista estão a toda, o que torna impossível ter qualquer empatia pelo personagem vivido por Leandro Hassum.
Grosseiro, oportunista e egoísta, único traço positivo de Tino é o carinho que demonstra para com sua família, e mesmo este é duvidoso, tendo em vista o jeito com o qual lida com o patrimônio, esbanjando por orgulho dinheiro que não é apenas seu, mas que da herança da esposa.
Fica difícil se importar com alguém tão detestável, o que diminui a importância da jornada mostrada na fita, que lembra muito aquela abordada no primeiro “Se Beber, Não Case!”, o que ilustra muito bem a “criatividade” dos roteiristas Paulo Cursino e Chico Soares, que tentam realizar uma versão mais leve do sucesso de Todd Phillips, contando até mesmo com uma constrangedora participação de Anderson Silva fazendo as vezes de Mike Tyson.
Com Daniele Winits ocupada com as gravações de uma novela, Jane agora é interpretada por Camila Morgado. A mudança é mostrada por meio de uma gag sobre Jane “ser uma nova mulher” que poderia funcionar, não fosse o fato de que fotos da atriz foram exibidas na introdução do longa, o que mata o impacto da cena, demonstrando muito bem quão perdido o diretor Roberto Santucci (o mesmo da película original) estava quando elaborou a condução da narrativa.
Sem possuir um timing cômico mais afiado, Morgado emula Leandro Hassum e apela para o histrionismo constantemente para tentar fazer graça, gritando ou lançando mão de tiques exagerados. Seu único momento de destaque é em uma piada que tenta fazer graça a partir do momento mais emblemático – e inadvertidamente constrangedor – de sua carreira na telona, com tal cena substituindo aquela parodiada no seu fundo do poço pessoal.
Seguindo a fórmula de “Se Beber, Não Case!”, o representante da normalidade é tirado de cena para se transformar em um MacGuffin a ser perseguido. Neste caso, foi o modo que encontraram para amarrar a participação do ainda apático Kiko Mascarenhas no arremedo da trama que é o centro do roteiro.
Os elementos mais perturbadores de “Até Que a Sorte nos Separe 2” certamente são suas mensagens. A figura de Tino é como os realizadores enxergam o público da classe C, com uma opinião certamente longe de ser positiva, tendo eles uma visão ingênua e alienígena deste grupo social (para dizer o mínimo). O fato de que a produção é vendida com afinco global para esta mesma classe C implica em uma perturbadora relação quase que sadomasoquista entre público e realizadores.
Mais destrutivo ainda é que a filha de Tino e Jane, uma das poucas figuras ali a apresentar algum juízo e personalidade própria, no final se renda e resolva seguir “as tradições da família”.
Considerando as cenas que concluem o longa, que também obrigam o público a acompanhar os créditos inteiros para ver o final da história, é óbvio que a franquia terá uma terceira parte. Só espero que Jerry Lewis não volte para queimar o que restou de sua credibilidade, abalada com apenas um minuto em cena nesta bomba.