Em seu terceiro trabalho como diretor, Richard Curtis acerta novamente.
É muito raro ver novidades em comédias românticas. E aí está o grande diferencial do escritor e diretor Richard Curtis. Ele é capaz de criar obras que se sobressaem em um universo tão inchado e repetitivo. Foi assim, por exemplo, com os ótimos “Um Lugar Chamado Notting Hill” e “Simplesmente Amor”. E ele comprova sua qualidade mais uma vez em “Questão de Tempo”.
O longa conta a história de Tim (Domhnall Gleeson), um jovem inglês em uma festa de réveillon com sua família: Mary (Lindsay Duncan), sua mãe Kit Kat (Lydia Wilson), sua irmã e o excêntrico tio D (Richard Cordery). Depois de uma conversa com o pai (Bill Nighy), ele descobre que os homens de sua família têm a capacidade de viajar no tempo, porém apenas para o passado. Com esse conhecimento, ele começa a resolver todas as pequenas pendências de sua vida. Pouco depois, Tim vai morar em Londres com Harry (Tom Hollander), um produtor de teatro amigo de seu pai, para cursar a faculdade de Direito. E lá ele conhece Mary (Rachel McAdams), por quem se apaixona à primeira vista.
E aqui começam as sutilezas que diferenciam o trabalho de Curtis e que se espalham por todo o longa. Nas mãos de outro cineasta, Tim poderia facilmente utilizar seu dom apenas por razões egoístas, como ficar com várias mulheres e depois agir como se nada tivesse acontecido. Mas aqui, ele o faz apenas para se aperfeiçoar como pessoa e conquistar o amor de sua vida. Da melhor maneira possível. No desenrolar da trama, passamos a acompanhar a vida do casal, que não tem nada de diferente da maioria dos casais. Passam pelo nervosismo de conhecer os pais do companheiro, dificuldades no início da carreira, pedido de casamento e tudo mais.
E tudo ocorre de maneira natural, sem jamais soar episódico. A sequência na estação de metrô, que mostra a evolução do relacionamento, é tão bem executada quanto aquela vista em “Um Lugar Chamado Notting Hill”. Destaque também para as mudanças de figurino de acordo com a estação do ano, fantasias usadas em festas e a rotina de trabalho, em uma bela montagem sem cortes aparentes.
Além da passagem na estação, a fita é repleta de momentos marcantes, como toda a sequência do casamento, que culmina na divertida escolha dos padrinhos, a última viagem de trem ou o emocionante passeio à beira mar no terceiro ato. Os acertos no roteiro são tantos que seria desnecessário enumerá-los. Porém, merece destaque a forma como as “regras” para a viagem no tempo são colocadas para o espectador (ainda que expositivas), do mesmo modo que são explicadas a Tim. Outro elemento marcante é a trilha sonora, que cumpre com louvor a sua função de reforçar os sentimentos despertados pelo que é visto em tela. Impossível não se emocionar com canções como “How Long Will I Love You” ou “Mid Air”.
Porém, nem os elementos técnicos, a direção ou a excelente trilha sonora fariam o filme funcionar não fosse a química que une o poderoso elenco. Tom Hollander exibe grande talento cômico, em uma mescla de histeria e grosseria. O mesmo se aplica à recorrente amnésia de Richard Cordery. Lindsay Duncan traz força e carinho disfarçados em uma mulher forte. Lydia Wilson é o único ponto fora da curva. Apesar de sua importância dramática na trama, ela tem uma interpretação ao mesmo tempo exagerada e unidimensional. Domhnall Gleeson demonstra total domínio de seu personagem e consegue, com isso, ilustrar bem todo o desenvolvimento de Tim, da adolescência à maturidade da vida adulta.
Os grandes destaques são Rachel McAdams e Bill Nighy. Nighy oferece um trabalho contido, bem diferente dos histrionismos que acostumou a mostrar ao público. A emoção que confere em sua relação com o filho é capaz de amolecer o coração de qualquer espectador. Já McAdams segue a mesma linha de Gleeson, em várias fases da vida adulta, porém com mais nuances. Por exemplo, quando Tim começa a falar sobre Kate Moss, é possível perceber, apenas por seu olhar, o momento exato em que a moça se apaixona.
Richard Curtis consegue mais uma vez, sem muito alarde ou grandes invencionices, entregar uma obra completa. Capaz de emocionar e divertir na mesma medida, com personagens extremamente cativantes e grandes lições de vida.