Kimberly Peirce atualiza e transforma obra de 1976, baseada em romance de Stephen King, em terror teen dos mais vergonhosos.
Mania desnecessária essa de Hollywood de lançar remakes de obras irretocáveis. A situação torna-se ainda pior quando percebemos que o objetivo é basicamente tornar a história acessível ao público atual, sem adicionar qualquer visão extra ou provocação. Mas “Carrie – A Estranha” consegue ser ainda mais desrespeitoso com o texto original de Stephen King e o filme de 1976, de Brian De Palma, ao buscar atualizar a trama para o século 21. Resultado: um pequeno e vergonhoso terror teen, que certamente tornar-se-á uma mancha suja na carreira de todos os envolvidos.
A principal culpada é certamente a diretora Kimberly Peirce, conhecida pelo longa “Meninos Não Choram”, de 1999. O que poderia ser uma excelente oportunidade para arriscar sem medo no comando das câmeras, como bem fez De Palma, vira um exercício rotineiro e descansado de uma cineasta mais acostumada a lidar com problemas juvenis mais profundos. Ela, basicamente, transforma o pequeno, mas intenso conto sobrenatural da menina rejeitada que se vinga de todos na escola em uma produção para pré-adolescente se identificar e jamais se assustar.
O maior problema do longa é não conseguir desvincular-se da produção estrelada por Sissy Spacek, guardando semelhanças óbvias, que ultrapassam as meras citações de falas e remontagens de cenas históricas. Logo, compará-los torna-se ainda mais inevitável. E consequentemente o padrão exigido cresce. Mas “Carrie” não corresponde em quase nada, para ser até bondoso. A busca por transportar a trama para os dias atuais é a maior discrepância entre as duas versões, mas é também um dos maiores erros do filme de Peirce, daqueles de fazer Stephen King repensar a liberação da adaptação de sua obra.
Nesto caso, a culpa também deve ser creditada aos roteiristas Lawrence D. Cohen e Roberto Aguirre-Sacasa. O problema não está só no fato de os personagens vestirem-se diferentes, utilizarem celulares e jogarem o vídeo da humilhação sofrida por Carrie no chuveiro na internet. Está na total inapropriação do conteúdo da história para o século 21. Ele perde em intensidade e credibilidade. Cohen e Aguirre-Sacasa fazem ainda questão de estereotipar ainda mais seus personagens, especialmente a Chris Hargensen de Portia Doubleday, a vilã sem escrúpulos que ainda avisa, via sms, que está prestes a cometer sua vingança.
Não há também uma contextualização adequada do universo juvenil da cidade. Concentrado demais nos fatos ditos essenciais para a trama, o roteiro perde a oportunidade de nos introduzir à futilidade das moças e rapazes dessa escola prestes a viver a maior de suas tragédias. Porque, em essência, o filme é todo de Carrie White. Dando-lhe tempo demasiado em tela, o longa aproxima-se por demais dela, chegando ao ponto de nos fazer sentir pena. E é substituindo a insanidade por uma ignorância mesclada com bondade que a personagem principal provoca-nos desinteresse gradualmente.
A má escalação de Chloe Grace Moretz para o papel apenas piora a qualidade da relação da protagonista com o público. Com cabelo claramente tingido e um histórico cinematográfico que impede-nos de crer em sua pureza e inocência, Moretz até se esforça, mas a falta de naturalidade de seu gestual e de sua interação com outros personagens incomoda. Com Julianne Moore, em especial, é de uma artificialidade sem tamanho. Interpretando a mãe de Carrie, uma religiosa além de fervorosa, Moore também exagera em sua composição sem causar qualquer choque no espectador.
Pelos motivos apresentados e também por uma falta de uma trilha sonora marcante, ainda que composta pelo bom Marco Beltrami, que exerce uma função essencial na produção de 1976, “Carrie – A Estranha” conta com um desfecho não menos do que decepcionante. Poupando personagens do trágico, exagerando nos efeitos visuais e no sangue e adicionando alguns fatos bizarros à história, o filme perde mais uma oportunidade de tornar-se minimamente marcante entre os pouco exigentes jovens atuais. Na verdade, é mais fácil que vire referência de um cinema a ser evitado.