Jeff Nichols volta a surpreender com pequena fábula sobre o amadurecimento de um garoto.
Uma família pequena e discreta. O interior dos Estados Unidos. E um pequeno, mas envolvente drama particular. Depois de fazer uso desses elementos e universo e surpreender o mundo com “O Abrigo”, Jeff Nichols reutiliza-os e mostra que a qualidade do filme de 2011 não resultou de um acaso. Em “Amor Bandido”, o cineasta acerta novamente com o seu tom fabulesco e metafórico, mas desta vez para contar a história de um garoto. Na verdade, um rapaz em vias de tornar-se um homem, ainda que precocemente.
Ele se chama Ellis (Tye Sheridan). Possui 14 anos. Trabalha com o pai, ajudando-o a vender peixes pela vizinhança. Sua diversão precisa ter a companhia do amigo Neckbone (Jacob Lofland). E a principal delas é passear pela imensidão do rio Mississippi. Por meio dele, a dupla encontra um barco abandonado em uma ilha. Também lá conhecem Mud (Matthew McConaughey), um misterioso homem com cara de bandido. E é tentando ajudá-lo que Ellis dá início a uma série de aventuras que modifica sua própria trajetória.
Escrevendo e dirigindo o longa, Jeff Nichols brinca de fazer cinema desta vez. Bem mais seguro e ousado em seu trabalho no comando das câmeras, ele dá a sua trama, primeiramente, um ar de fantasia, como se ainda estivéssemos acompanhando o olhar de uma criança (na verdade, de duas). Desta forma, personagens surgem como num passe de mágica, paixões tida como impossíveis pelo padrão de cinema que conhecemos tornam-se quase realidade e uma história com vilões e mocinhos, que aparentava permanecer do campo das ilusões e da loucura, tem início.
Mas à medida que a projeção caminha, a magia vai se dissipando. O mundo revela-se nem tão agradável assim. A história vai amadurecendo como seu personagem principal. E tudo vai ganhando contornos de uma grande e bem realizada metáfora, como não poderia ser diferente. Mesmo diante dessa bem executada meta, o roteiro não esquece de construir uma trama atraente que, apesar do ritmo cadenciado (semelhante ao de uma cidade interiorana), capta por seu cenários de beleza evidente, por personagens complexos e pelo carisma de seus intérpretes.
Com momentos de pura apreciação da natureza e dando a ela o simbolismo que precisa, Jeff Nichols lapida o cenário da lenda que está contando. E o seu ser mitológico é ninguém menos do que Matthew McConaughey. Dando continuidade às grandes escolhas que vem fazendo na carreira, o ator muda o sotaque e dá o Mud o ar de mistério que precisa, fazendo o personagem tornar-se real a cada nova cena, mas sem perder a essência de representação de parte da vida de Ellis. Apenas o desfecho de Mud revela-se desnecessário.
Com uma interpretação de verossimilhança invejável , Tye Sheridan protagoniza o filme como um veterano. Ele realmente parece ser parte do município que habita. Ao lado do também competente Jacob Lofland, percorre-o sem medos, por todos os lados. É realmente um adulto precoce vivendo a aventura de sua vida, das mais inusitadas. A inconstância do relacionamento de seus pais, que poderia ser melhor trabalhado pelo roteiro, contribui para afastar-se do lar e aceitar novos obstáculos.
O elenco traz ainda Michael Shannon, tradicional parceiro do cineasta, Reese Witherspoon, como a namorada de Mud, e Sam Shepard, como um obscuro habitante do rio. Com pouco tempo de tela, eles pouco dizem a que veio, mas contribuem para dar a “Amor Bandido” esse ar de imprevisibilidade que percorre cada cena, cada tomada. Estamos diante de um filme que não respeita gêneros cinematográficos, que conta sua própria e particular história e que emociona por sua sensibilidade. A marcante trilha sonora de David Wingo colabora bastante, mas é a ousadia de Jeff Nichols que tornam o longa um grande acerto. Na verdade, mais um na carreira de um diretor/roteirista a ser observado de perto.