Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 05 de novembro de 2013

Thor – O Mundo Sombrio (2013): o Deus do trovão assume seu manto heróico

Mesmo eventualmente dando um destaque desnecessário ao seu lado mais cômico, especialmente nas cenas que se passam na Terra, é certamente a produção com o maior peso dramático dentre os filmes da Marvel Studios, privilegiando seu competente elenco.

Troca de diretor com pouco tempo até o início das gravações, diretor descontente com o roteiro, cortes de cenas que desagradaram à equipe… Muita coisa apontava para que “Thor – O Mundo Sombrio”, nova aventura solo do Poderoso Vingador, fosse a primeira grande derrapada da Marvel Studios. Até mesmo o tom excessivamente solene do personagem nos quadrinhos e a mistura insólita de ficção científica e deuses nórdicos podia soar indigesta junto ao público médio.

Mas, quase que por mágica, o filme funciona. O diretor Alan Taylor (conhecido por episódios apoteóticos de séries como ”Família Soprano”, “Roma” e “Game of Thrones”) faz com que o humor ajude o público a viajar junto aos personagens entre os Nove Reinos, mas não deixa com que os risos sejam o elemento dominante.

Há uma carga dramática muito forte na produção – a maior dentre os filmes da Marvel Studios – o que permite que os talentos de intérpretes como Anthony Hopkins, Rene Russo e, especialmente, Tom Hiddleston, sejam postos em bom uso. Mas uma fita desse porte estaria incompleta sem cenas de ação inteligentes, que utilizam o potencial épico dos envolvidos, algo provido por Taylor e sua equipe – embora certamente não seja esse fator que marcará os fãs no fim da projeção.

O roteiro, escrito por Christopher Yost, Christopher Markus e Stephen McFeely (os três já bastante calejados com o Universo Marvel, aliás), mostra Thor (Chris Hemsworth) tendo de lidar com as consequências do primeiro filme e de “Os Vingadores”. Enquanto o seu irmão adotivo, Loki (Hiddleston), é mantido como prisioneiro nas masmorras de Asgard, o deus do trovão tem a missão de pacificar os Nove Reinos, jogados ao caos sem a proteção dos asgardianos.

Preparando-se para suceder o já cansado Odin (Anthony Hopkins) no trono, Thor tem de encarar um novo inimigo que surge na figura de Malekith (Christopher Eccleston), líder dos Elfos Negros, uma raça antiga derrotada pelo avô de Thor que vê na existência da luz e da vida um erro e busca sua arma suprema, o Éter, acidentalmente encontrado pela amada do herói, a humana Jane Foster (Natalie Portman).

O texto permite Alan Taylor a mergulhar nos Nove Reinos, chance que Kenneth Branagh não teve na fita original. Além disso, o foco na família real asgardiana – já devidamente introduzida – dá maior liberdade para seus intérpretes. Sai a pompa shakespeariana (que funcionou bem no primeiro filme) e entra uma rede de sentimentos conflitantes, o que torna os personagens mais falíveis e humanos.

Essa mudança no tom das relações entre os semi-deuses alienígenas, agora mais naturalista, é acompanhada por uma sutil, mas sensível, alteração no design da própria Asgard. Se, em planos gerais, ela parece a mesma do filme anterior, quando vista de perto, vemos que a arquitetura do Reino Eterno sofreu grandes modificações, tendo como referências a Naboo de “Star Wars” e Édoras de “O Senhor dos Anéis”, mesclando muito bem os designs medievais e sci-fi e realmente dando a impressão de que aquele é um local habitado por pessoas de verdade, não uma locação virtual (embora os efeitos ocasionalmente escorreguem, especialmente em 3D).

O amadurecimento de Thor, de inconsequente a herói, é mais explorado e finalmente concluído aqui, dando oportunidade para que Chris Hemsworth mostre que não é só músculos e sorrisos, provando o valor de seu personagem de maneira mais séria. A química do ator com o teimoso Odin de Anthony Hopkins engrandece as performances dos dois atores e, ao mesmo tempo, mostra como Thor cresceu desde que nos fora apresentado.

O mesmo não pode ser dito do seu romance com Jane Foster, com todo o peso deste vindo apenas do filme anterior, sem grandes evoluções. Natalie Portman tem alguns momentos bonitinhos de “peixe fora d’água”, conhecendo a tecnologia asgardiana e se espantando com os sogros, mas não tem espaço para mostrar seu talento habitual.

Ao contrário de Tom Hiddleston, cujo Loki rouba todas as cenas em que aparece. Em sua primeira metade, o filme poupa as aparições de Loki ao máximo, mas quando ele surge ao lado de seu irmão heroico, o deus da trapaça vem e mostra todo o seu potencial. Hiddleston possui um tom de voz que varia do irônico para o enraivecido de maneira bastante sutil e poderosa, e um vocabulário físico digno de Charlie Chaplin. Com ele, a complexidade das motivações e ações de Loki atingem outro patamar, sendo impossível imaginar qualquer outro ator no papel, dificultando até mesmo sentir raiva do príncipe caído, mesmo com todos os seus atos hediondos.

Hiddleston eclipsa o eficiente Christopher Eccleston como Malekith, que acaba reduzido a um vilão genérico, embora ameaçador – e louve-se a adaptação para a marca no rosto do vilão. O geralmente intimidante Adewale Akinnuoye-Agbaje tem pouco a fazer como Alduin, especialmente após sua transformação no monstruoso Kurse. Rene Russo, como Frigga, finalmente ganha utilidade dramática na franquia, especialmente em suas cenas ao lado de Tom Hiddleston e Anthony Hopkins.

Idris Elba e seu Heimdall é o único dos asgardianos fora da família real a ter destaque, com Sif e os Três Guerreiros subaproveitados para dar mais tela para Kat Dennings e Stellan Skarsgard como Darcy e o Dr. Selvig, que servem quase que apenas como alívios cômicos.

Mesmo aqui e ali pesando a mão na comédia, especialmente nas cenas que se passam na Terra, “Thor – O Mundo Sombrio” evolui de maneira dramática os seus personagens, acerta ao focar mais nos personagens fixos que nos vilões da vez e traz alguns dos momentos mais dolorosos do Universo Cinematográfico Marvel com direito a mudanças significativas para este, o que nos faz até relevar os alívios cômicos um tanto equivocados e a trilha sonora sem peso.

P.S.: Existem duas cenas pós-créditos, uma delas relevante para um dos próximos filmes da Marvel Studios.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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