A verborragia de Cormac McCarthy e a escala excessivamente grandiosa da direção de Ridley Scott acabam por afastar o público das tragédias que ocorrem durante o desenrolar deste drama, que ainda conta com um elenco estelar.
É um tanto deprimente começar uma crítica já apontando para uma falha colossal de tradução de título, mas chamar este “The Counselor” de “O Conselheiro do Crime” é tão imbecil quanto chamar “Memento” de “Amnésia”. “Counselor” é como os advogados são chamados nos EUA, mais ou menos como o nosso proverbial “doutor”, adotado inclusive pela legenda.
Ademais, o advogado sem nome vivido por Michael Fassbender não possui nenhuma condição de aconselhar nenhum dos seus colegas no crime, ao contrário, está sempre pedindo orientações e conselhos, especialmente por conta da espiral rumo ao inferno que sua vida se torna no decorrer da narrativa.
Dirigido por Ridley Scott, o filme é o roteiro de estreia de Cormac McCarthy, experiente romancistas cujas obras “Onde os Fracos Não Têm Vez” e “A Estrada” renderam belíssimos filmes. No entanto, mesmo com a produção tendo um saldo positivo, os estilos de Scott e McCarthy entram em conflito várias vezes, fazendo-nos pensar qual seria o resultado caso o roteiro caísse nas mãos de um diretor mais intimista, como Andrew Dominik (“O Homem da Máfia“).
A trama é deveras simples: um advogado resolve entrar no ramo de tráfico de drogas através de seus contatos, o extravagante Reiner (Javier Bardem) e o mais sossegado Westray (Brad Pitt). Mas quando o negócio dá errado, os três se tornam alvos do violento cartel mexicano. Em paralelo, o texto de McCarthy ainda aborda os relacionamentos do advogado com a bela e pura Laura (Penélope Cruz) e de Reiner com a lasciva Malkina (Cameron Diaz), ambos cruciais para o plot principal.
O modo capitalista com o qual os atos de barbárie do cartel são abordados aqui tornam a fita quase uma continuação natural do recente “O Homem da Máfia”, inclusive com os discursos dos personagens de Brad Pitt nos dois filmes soando bastante parecidos neste ponto. O modo prosaico com que carnificinas são marcadas e discutidas mostram uma desumanização daqueles indivíduos que choca quem não está acostumado com aquele mundo – no caso, o público e o próprio advogado.
Vivido por um adequadamente fragilizado Michael Fassbender, o advogado resolve entrar neste mundo perigoso por motivos que nos são alheios. Ele afirma ser por questões financeiras e ganância, mas o próprio filme refuta esta afirmação por diversas vezes, algo que nos remete à série “Breaking Bad” e seu Walter White (e a participação especial de Dean Norris certamente não é mera coincidência).
O advogado é um personagem deveras passivo. Suas duas únicas ações para o plot geral são triviais, quase que insignificantes. Quaisquer que tenham sido os motivos originais do protagonista – dinheiro, tédio ou ânsia por poder –, ele jamais poderia prever as consequências de tal empreitada, mesmo tendo sido alertado delas reiteradas vezes.
Ao lidar com os resultados indesejados de seus atos, ele nada pode fazer além de observar sua desconstrução em um farrapo humano. É aí que reside a força da interpretação de Fassbender, que nos conecta com esse homem, outrora “bom e feliz” (termos relativos, aliás) e nos carrega em uma jornada de autodestruição e penúria, algo que até a própria paleta de cores faz questão de ressaltar.
Ao contrário do que acontece com o advogado, os demais personagens jamais causam qualquer impacto ou conexão pessoal. O Westray de Brad Pitt tem uma postura deveras profissional e jamais se deixa levar pelo que ocorre ao seu redor, somente sendo lembrado pelo público por ser vivido por Brad Pitt.
Cameron Diaz e Javier Bardem, como o casal Malkina e Reiner, como seus próprios visuais já denunciam, funcionam apenas na base do choque e, mesmo assim, os excessos das situações que acontecem com e por conta deles, acabam por alienar a plateia (vide a famigerada cena do carro, que arrancará risos incrédulos de qualquer um). Por sua vez, Penélope Cruz se vê limitada a ser a personificação da pureza naquele universo, algo ressaltado por uma cena em especial que divide com Diaz.
As origens literárias de Cormac McCarthy e sua falta de tato quanto à linguagem cinematográfica se mostram claras no excesso de óbvios foreshadowings (situações que referenciam eventos futuros da narrativa) e a exposição excessiva de alguns plot points. No entanto, a característica mais óbvia de sua escrita, que é a falta de misericórdia dentro dos mundos que ele cria continua presente, bem como o brilho de boa parte dos diálogos – que devem ser referenciados por anos pelos mais diversos cinéfilos – quase que compensam os deslizes.
O que não pode ser dito é que houve química entre a grandiloquente direção de Ridley Scott e o espírito do roteiro de McCarthy. Sim, podemos admirar a beleza técnica dos planos rebuscados criados pelo cineasta e seu diretor de fotografia recorrente, Dariusz Wolski, mas o fato é que a megalomania já habitual do realizador britânico acaba por aumentar ainda mais o abismo que separa emocionalmente o público dos personagens, diminuindo o impacto catártico das tragédias que os acometem.
Além disso, Scott e o montador Pietro Scalia parecem hipnotizados demais (eventualmente de maneira justificada) pelos devaneios verborrágicos de Cormac McCarthy para sequer cogitarem cortar alguns diálogos que, pelo bem do ritmo do filme, precisariam sim ser aparados, fazendo com que a produção se arraste desnecessariamente e canse o espectador.
Usando ainda nomes como o grande Bruno Ganz, o já citado Dean Norris, John Leguizamo e Natalie Dormer em meras pontas, é fácil sim reconhecer que há um grande filme dentre de “O Advogado do Crime”, mas que o diretor e seu roteirista não conseguiram desenterrá-lo completamente.