Sem o frescor visual, inventividade ou timing cômico do original, esta continuação passa longe do nível do primeiro filme, muito disso graças à mediocridade de Jeff Wadlow.
Matthew Vaughn deveria colocar “Kick-Ass 2” em destaque no seu currículo. Ao contrário do que aconteceu no filme original, onde foi co-roteirista e diretor, o cineasta aqui assina apenas como produtor executivo, o que basicamente significa que seus talentos não foram aproveitados. Justamente por isso, Vaughn deveria apontar como sua ausência prejudicou uma série tão promissora.
Com a saída do diretor e roteirista do primeiro capítulo, bem como de sua co-roteirista habitual, Jane Goldman, o texto e a direção desta segunda adaptação dos quadrinhos criados por Mark Millar e John Romita Jr. ficaram nas mãos de Jeff Wadlow, responsável pelo esquecível “Quebrando Regras”. E a diferença entre os profissionais começa a ser notada.
Nesta sequência, que se passa cerca de três anos após o original, Dave “Kick-Ass” Lizewski (Aaron Taylor-Johnson) começa a entediar-se sem o seu alter-ego, precursor da explosão de heróis fantasiados no mundo. Dave então volta à ativa e se junta ao grupo Justiça Eterna, liderado pelo excêntrico, patriótico e ocasionalmente psicótico Coronel Estrelas e Listras (Jim Carrey).
Já Mindy “Hit-Girl” Macready (Chloë Grace Moretz) tenta adaptar-se à nova rotina como uma colegial comum, com seu novo pai, o gentil policial Marcus (Morris Chestnut) tentando tirá-la da vida do vigilantismo mascarado. Finalmente, Chris “Red Mist” D’Amico (Christopher Mintz-Plasse), agora um órfão bilionário, resolve criar sua própria gangue de supervilões para se vingar de Kick-Ass por conta da morte de seu pai, assumindo a persona do Mother****er.
As três tramas envolvendo os protagonistas se passam quase que em paralelo, com o trio demorando para se encontrar, o que acontece apenas em uma apoteótica batalha. Assim, a interação entre os diferentes personagens – especialmente Kick-Ass e Hit-Girl – fica prejudicada em prol de um grupo de coadjuvantes que simplesmente não funcionam. Assim, enquanto aguentamos a morosa trama de Kick-Ass e seu artificial conflito com o pai, ansiamos pela volta da sempre fascinante Hit-Girl, algo que prejudica a fluidez da narrativa.
Além da estrutura problemática, o roteiro de Wadlow se apoia demais em diálogos expositivos e depende em excesso dos atores para funcionar. Enquanto Chloe Moretz consegue transformar o espetáculo escatológico da ida de Mindy ao colegial em algo interessante (em um momento que remete à “Carrie – A Estranha”, cujo remake a jovem atriz estrelará), o personagem-título, longe de problemas mundanos que nos conecte a ele, se torna cada vez mais chato toda vez que Aaron Taylor-Johnson surge em cena.
Por sua vez, o Mother****er vivido pelo eterno McLovin causa estranheza toda vez que surge em cena, pois seus atos abomináveis raramente conseguem entrar na categoria de “humor negro”, culpa da falta de timing cômico da direção de Wadlow, com as interações entre Mintz-Plasse e John Leguizamo (como o seu “Alfred do mal”) salvando a participação do vilão, gerando ainda uma bela ponta de Iain Glen (O Sor Jorah de “Game of Thrones”), como o único criminoso de verdade da trama.
Jim Carrey entrou no roteiro para tentar suprir as ausências de Nicolas Cage e Mark Strong. Por mais que Carrey em cheio na sua caracterização como o ex-mafioso e agora cristão porradeiro Coronel Estrelas e Listras, o personagem tem muito pouco tempo de cena para causar algum impacto real junto ao público e fotos de Cage e Strong (muito bem colocadas, em um dos acertos de Jeff Wadlow) acabam nos lembrando a falta que esses carismáticos atores fazem.
O orçamento um pouco menor que o da aventura anterior não justifica a pobreza visual da fita, especialmente em comparação com sua antecessora. Wadlow não demonstra um pingo da inventividade de Vaughn, com transições pouco elegantes, e apostando em uma fotografia em cores que nem de longe lembram a vivacidade do original. A maioria das lutas só funciona na base do fator “choque”, com a única sequência de ação que traz alguma catarse sendo o combate entre Hit-Girl e a imparável Mother Russia.
É inacreditável que, com a profusão de fantasiados em roupas coloridas e bregas, a paleta aqui seja tão escura. Enquanto “Kick-Ass – Quebrando Tudo” prestava diversas homenagens aos quadrinhos, incluindo até mesmo rápidas sequências em animação no traço de John Romita Jr., a única lembrança da mídia aqui é um pôster de “Superior” de Mark Millar. Neste sentido, o filme ainda se mostra bipolar, com personagens gritando que aquilo “não é um gibi, mas a vida real”, para o filme mostrar um clichê de HQs cinco segundos depois.
Contando ainda com um final que cria um relacionamento desnecessário e que foge à história de dois dos personagens principais da trama, “Kick-Ass 2” pode não ser um desastre, mas passa perigosamente perto de sê-lo e muito longe da qualidade do original.