Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de outubro de 2013

Boa Sorte, Meu Amor (2012): história intimista contada em tons épicos

Se a selvageria urbana foi explorada por Kléber Mendonça Filho em "O Som ao Redor", Daniel Aragão foca mais no vazio e no esquecimento que as metrópoles podem provocar, em uma atípica e trágica história de amor que reafirma o espetacular momento que vive o cinema pernambucano.

20211423.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxA nostalgia de raízes interioranas e os dissabores típicos de metrópoles emergentes, bem como a ascensão de talentosos cineastas, deram a Recife as condições ideais para a origem de um grupo contestador de cineastas na capital pernambucana, que não se furtam em expor seus pontos de vistas sobre a “cidade grande”. Depois de Kléber Mendonça Filho e “O Som ao Redor”, chega Daniel Aragão com este ótimo “Boa Sorte, Meu Amor”, seu primeiro longa metragem, coescrito com Gregorio Graziosi e Luiz Otavio Pereira.

A trama conta a história de Dirceu (Vinicius Zinn), um jovem apagado que acorda para a vida ao conhecer a bela e opinativa Maria (Christiana Ubach). O que parecia apenas outro relacionamento em uma imensa cidade, evolui de forma inesperada, forçando Dirceu a abandonar sua existência fechada e redescobrir as suas origens, em uma busca quase que desesperada.

A letargia impressa por Vinicius Zinn em sua caracterização de Dirceu e a impotência do personagem perante um pai dominador, determinado a esquecer o seu passado, aos poucos se transforma em combustível para sua busca por Maria e por ele mesmo. Aquela figura nula que, contratada para demolir um prédio histórico, apenas responde que este é o seu trabalho, vai ganhando vida, mesmo que ainda aja de forma imatura, como se não soubesse o que fazer com seus sentimentos recém-descobertos, com Zinn retratando muito bem essa confusão vivida pelo protagonista.

Já a Maria de Christiana Ubach que, inicialmente, surge repleta de luz (sua primeira aparição é em um estilizado soft focus em câmera lenta, que ressalta a beleza de Ubach e como a personagem é idealizada por Dirceu), perde gradativamente o seu brilho, sendo ignorada por quase todos que cercam Dirceu justamente por ser diferente. Incapaz de ignorar sua origem, sua transformação é, sem dúvidas, a grande tragédia da história.

O plot é explorado por Daniel Aragão de maneira épica, com a veia cinéfila do diretor vindo à tona de maneira fortíssima e deveras eficiente. Não bastasse a produção contar com um belo design de produção, que evidencia o vazio na vida de Dirceu e valoriza o naturalismo dos cenários interioranos, Aragão e seus colaboradores enriquecem a experiência audiovisual com uma trilha sonora marcante e uma fotografia brilhante de Pedro Sotero (não por acaso, o mesmo diretor de fotografia de “O Som ao Redor”).

Nisso, a produção explora a claustrofobia da selva urbana de Recife ao enquadrar seus personagens em primeiros planos fechadíssimos quando na cidade, somente abrindo para explorar as estruturas fálicas dos prédios de Recife como uma paisagem quase que alienígena – algo ressaltado pela trilha sonora, digna de fitas B de ficção científica dos anos 1950 (e isso é dito como um elogio).

Quando a ação se desloca para o campo, Aragão e Sotero nos brindam com planos arrebatadores, que remetem a diretores como Sam Peckinpah e Sergio Leone, que se tornam ainda mais belos graças ao preto em branco em alto contraste escolhido para retratar aquela história. Neste ponto, a influência dos westerns se torna cada vez mais clara, bem como o fato de que a fita advoga que, no campo, os ambientes naturais (ainda) predominam sobre os homens.

Pecando apenas em alguns – e felizmente raros – momentos nos quais Daniel Aragão parecia mais interessado no choque gratuito que em explorar a própria narrativa de modo mais orgânico, “Boa Sorte, Meu Amor” é outro ótimo exemplar desta safra do novo cinema pernambucano, que mantém sua relação de amor e ódio com Recife.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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