Elenco afiado compensa escorregões do roteiro.
Na metade dos anos 2000, foi reinaugurado um noto estilo de comédias em Hollywood. Aquelas voltadas para o público adulto, cansado de Sandra Bullocks e Meg Ryans e suas comédias românticas, ou das demências de Adam Sandler e Cia. Essas produções eram recheadas de palavrões, uso de drogas – preferencialmente maconha – e homens na casa dos quarenta anos, frustrados com suas vidas vazias. E com todos esses elementos, chega aos cinemas “Família do Bagulho” (uma das adaptações de títulos mais cretinas dos últimos anos), dirigido por Rawson Marshall Thurber e escrito a oito mãos por Bob Fisher, Steve Faber, Sean Anders e John Morris.
David (Jason Sudeikis) é um traficante de maconha, que trabalha para o excêntrico chefão Brad Gurdlinger (Ed Helms). Depois de ajudar seu vizinho Kenny (Will Poulter) e a “rebelde sem causa” Casey (Emma Roberts) em uma briga de rua, ele é assaltado e os ladrões levam o dinheiro que ele arrecadou dos clientes. Para saldar sua dívida com Brad, ele “contrata” os dois jovens e sua outra vizinha, Rose (Jennifer Aniston), uma stripper, para ajudá-lo a levar um carregamento de maconha do México para os Estados Unidos. O plano é simples: eles vão se disfarçar de uma típica família de classe média em um trailer para não levantar suspeitas na hora de atravessar a fronteira.
Apesar de tudo correr bem até chegarem ao local onde iriam recolher a droga, a volta torna-se um pesadelo. Quase tudo que poderia acontecer de errado, acontece. Eles são perseguidos por traficantes barra pesada, se envolvem com a escandalosa família Fitzgerald (Nick Offerman e Kathryn Hahn), subornam um policial, entre várias outras coisas.
Tudo isso ocorre de forma gradativa e natural. Paralelamente, somos apresentados aos integrantes da família organicamente, sem diálogos expositivos ou escatologia gratuita. A naturalidade daqueles personagens é tal, que acreditamos que realmente é possível que eles fizessem o que vemos em tela mesmo nas situações mais improváveis e absurdas, como a aula de beijo no acampamento, ou a sequência no hospital.
O roteiro é eficiente e equilibrado. Algumas sequências provocam risadas de tirar o fôlego, como a picada de aranha ou a bizarra tentativa de swing em uma barraca. Ao mesmo tempo, passagens como a travessia da fronteira geram uma tensão incomum em produções do gênero. As citações a elementos da cultura pop, como “Dexter”, “8 Mile” (com Eminem) ou “Os Simpsons”, são outro acerto.
Infelizmente, há o abuso de alguns estereótipos, como a forma que as cidades mexicanas são mostradas. Lá, tudo é sempre bagunçado, sujo e perigoso, em contraponto às assépticas cidades americanas. Outro ponto negativo é a falta de coragem em alguns momentos (que tipo de boate de striptease não tem nudez em momento algum? Como alguém é atingido por uma chave inglesa sem nenhum sangramento ou hematoma), que visam apenas encaixar o filme em uma faixa mais ampla de censura, mas tira um pouco de sua força.
No campo das atuações, todos merecem elogios. Jason Sudeikis mostra talento e timing cômico, especialmente quando tem liberdade para improvisos. Jennifer Aniston (que consegue se afastar cada vez mais da imagem de Rachel, de “Friends”) acompanha o colega a altura, além de exibir uma forma física louvável. Seu show para um traficante é um dos pontos altos do longa.
Will Poulter está convincente como um jovem com sérios problemas de relações sociais. Emma Roberts atinge o objetivo de criar uma adolescente revoltada que sempre foge de casa. Já Ed Helms se diverte sempre que está em cena como o exagerado e caricato chefe do tráfico.
Porém, o maior destaque é do casal Fitzgerald. Nick Offerman tem uma atuação contida, com poucas palavras, mas sempre com firmeza na voz e na postura corporal. Kathryn Hahn vai para o outro extremo. É curiosa sua interpretação de alguém que sempre tenta conter sua empolgação, sempre se corrigindo, especialmente diante do marido.
“Família do Bagulho” está longe de ser mais uma comédia genérica e descartável. Não fosse a pressa para a conclusão do terceiro ato e alguns personagens desnecessários, poderia facilmente ser apontada como uma das melhores comédias do ano.
P.S: Nos erros de gravação, pouco antes dos créditos, há uma pequena homenagem a Jennifer Aniston.