Oswaldo Montenegro realiza seu segundo trabalho no cinema.
Em seu primeiro trabalho para o cinema, o premiado “Léo e Bia”, Oswaldo Montenegro abordou temas como a amizade e relações pessoais. Agora, em “Solidões”, sua segunda experiência como diretor, o menestrel faz o contraponto àquele trabalho, ao explorar várias facetas da solidão (tema presente em várias de suas canções).
Ao longo de pouco mais de 90 minutos, somos apresentados a uma vasta gama de personagens. Há o homem que encontra com seu próprio eu, vindo de uma realidade paralela (Pedro Nercessian). Uma jovem sofre de amnésia depois de um ataque de raiva (Vanessa Giácomo). Ronaldo (Eduardo Canto), um garçom colecionador de frases, precisa aguentar uma cliente embriagada (Kamila Pistori). Um músico do interior de Minas Gerais vai tentar a sorte no Rio de Janeiro. O deficiente físico tem o apelido de Chico Atrasado, que sempre exagera as histórias que ouve. Uma diretora de elenco (Madalena Salles), que fez o teste de seleção dos atores, passa por um interessante exercício de metalinguagem. Claudinei Soares (Léo Pinheiro), o músico/ator/comediante que participa de um dos testes.
O roteiro abusa de metáforas para discutir o que é a solidão. Algumas possuem certa profundidade, como “Ninguém é sozinho como o palhaço” (dita por Cocada, o palhaço mais antigo do Brasil) ou “A solidão é o velho esperando a família para o Natal”. Outras vezes são mais desgastadas, como ao comparar a solidão a uma ilha. Também são explorados dados estatísticos sobre os solitários no Brasil, de forma um tanto expositiva.
Além disso, o script é repleto de frases inspiradas como “Chocolate quente, licor e charuto. Essa sim é a santíssima trindade” ou “Ave por ave, o Carneiro. Se voasse”. O posicionamento de contestação religiosa, com um senso exacerbado de ironia, está presente em grande parte da trilha sonora e em alguns diálogos preciosos.
Mesmo com o uso do recurso narrativo da mistura de várias estórias, a fita não perde o ritmo. A forma fluida como as subtramas se relacionam é um grande mérito da equipe de montagem. Curiosamente, o filme perde força em algumas sequências musicais. Apesar de boas composições, certas passagens parecem mais videoclipes aleatórios do que parte inerente à trama.
Existem alguns easter eggs para os fãs da carreira musical de Oswaldo Montenegro no decorrer da projeção. Várias de suas músicas são citadas (visualmente), ou cantadas, como “Só”, “O Chato”, “A Bailarina Gorda”, “Sempre Não é Todo Dia”, “Pra Longe do Paranoá” e “A Cantiga do Cego”, entre várias outras.
A fotografia, em perfeita sintonia com a direção de arte, também merece destaque. A variação da paleta das cores é constante, com o uso preferencial de cores vibrantes. De forma criativa, as cenas em que as cores são usadas em profusão são aquelas em que percebemos uma maior confusão mental dos personagens. A transição do preto e branco para o colorido depois que alguém tranca a porta de um cômodo é brilhante.
O diretor se mostra seguro ao passear por tantos gêneros dentro de uma mesma obra. Há passagens com teor erótico filmadas com a mesma competência de passagens mais simples. Os monólogos, sem cortes, e as longas cenas sem diálogos confirmam essa impressão.
Cada ator consegue aproveitar ao máximo o espaço que o roteiro cede a seus personagens. No entanto, merecem destaque maior Vanessa Giácomo, Kamila Pistori e Pedro Nercessian, com uma “menção honrosa” para Oswaldo Montenegro, que rouba a cena como o Diabo, em uma das melhores sequências do longa. (“Não me chame de senhor!”, ele fala em certo momento).
Indo do humor inteligente ao drama existencial, passando por colocações críticas à Igreja, com extrema facilidade, “Solidões” é uma obra bem realizada. Esse trabalho vem consolidar mais um talento à carreira do ator, cantor, compositor, instrumentista e escritor, Oswaldo Montenegro.
Esse filme fez parte da programação do 23º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, em setembro de 2013.