Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 02 de setembro de 2013

Sem Dor, Sem Ganho (2013): um menos intragável Michael Bay

Sem se levar a sério, diretor norte-americano diverte, mas ainda assim desperdiça enorme potencial de uma bizarra história verdadeira.

Sem Dor, Sem GanhoDesconfiar de reconstituição cinematográfica de uma história real dirigida por Michael Bay tem lá seus fundamentos. Afinal, estamos falando de um cineasta cheio de megalomanias, viciado em exageros, que não hesita em ultrapassar o limite do verossimilhante e que não dá a mínima para seus personagens. Além disso, experiência anterior (chamada “Pearl Harbor”) confirmou que Bay pode não ser o melhor dos nomes quando estamos falando de adaptações do tipo. Mas contrariando todas as expectativas, “Sem Dor, Sem Ganho” funciona, especialmente no quesito passatempo. Porém, poderia ser bem superior se seu diretor tivesse um ainda pequeno respeito com a realidade por mais absurda que a versão verdadeira dessa história possa ser.

Quem a protagoniza é Mark Wahlberg, como Daniel Lugo, um instrutor de fisiculturismo e personal trainer absolutamente alucinado por malhação. Por mais trabalhador e malandro que ele seja, a profissão, porém, não vem dando grandes retornos financeiros. Pelo menos não suficientes para suas ambições. Então, surge a ideia de um golpe: sequestrar um de seus alunos, um rico e tagarela colombiano de nome Victor Kershaw (Tony Shalhoub), e roubar todos os seus bens. Para tanto, ele conta com as ajudas de seu fiel escudeiro Adrian Doorbal (Anthony Mackie) e do ex-presidiário Paul Doyle (Dwayne Johnson). A falta de intelecto do trio (para ser elegante), porém, traz inúmeros imprevistos para o caso.

Dando, inicialmente, a impressão de um agradável amadurecimento na escolha de seus projetos, deixando de lado franquias caça níqueis de gosto duvidoso, Michael Bay tenta aqui fazer sua primeira sátira. E consegue, pelo menos no primeiro ato do longa. Tendo como alvo o modo de vida americano, calcado na aparência, o filme utiliza como objeto fisiculturistas “bombados”, daqueles que não a mínima em adquirir sequer um pouquinho de conhecimento para além de suas áreas, fazendo deles grandes caricaturas desde o primeiro instante que surgem em tela, seja pelo que dizem, pelo que fazem ou pelo que vestem.

Graças a um roteiro, escrito por Christopher Markus e Stephen McFeely, recheado de diálogos rápidos e inteligentes, comprometidos em definir e deixar clara a estupidez de seus personagens, o filme conta com um humor negro eficiente que fica ainda melhor nas frenéticas câmera e edição de Bay. Quase não há respiração entre conversas. Muito menos entre sequências diferentes. Com um ritmo irresistível, “Sem Dor, Sem Ganho” vai conquistando por sua proposta irônica e história deveras surpreendente, que vai tomando proporções inimagináveis para uma adaptação da vida real.

Ai então começam a surgir os problemas da película. Se a versão original desta história já deve conter vários absurdos, Michael Bay faz questão de multiplicá-los, como de praxe. Apenas as explosões ficam de fora, porque daí surgem as perseguições, mortes, mutilações, tiros e tudo mais que o excesso de testosterona típico de Bay provoca. Markus e McFeely, roteiristas, também deixam-se de se preocupar com a trama e sua sátira e concentram-se apenas em oportunidades de ressaltar o chocante e de piadas pontuais, os quais certamente fazem-nos rir e arregalar os olhos de espanto, mas que pouco contribuem para crescer o interesse pelo todo da obra.

Os estereótipos vão, então, ficando cada vez mais acentuados, fazendo surgir da gostosa sem qualquer cérebro, interpretada por Bar Paly, à gordinha despudorada, papel da sempre engraçada Rebel Wilson. O inverossímil chega a um ponto tão inaceitável que até Michael Bay tenta ressaltar (mesmo que não seja nada convincente), com enormes letreiros, que ainda estamos diante de uma trama baseada em fatos reais. Nem mesmo as fotos dos reais criminosos exibidas pouco antes dos créditos finais trazem alguma credibilidade à trama.

Mas o elenco principal faz “Sem Dor, Sem Ganho” valer à pena pela diversão, por sua total falta de seriedade. Como chefe do bando e, por isso, responsável pelas principais ações brutas do trio, Mark Wahlberg é o perfeito “cabeça oca”, daqueles que não tem a mínima noção de quão estúpido é. Anthony Mackie também faz rir como o seguidor da burrice alheia e dono de uma disfunção erétil desagradável. Mas é Dwayne Johnson quem mais nos faz gargalhar como o brutamontes de passado tenebroso que luta entre o vício de cocaína e o amor pela fé cristã.

Um pouco mais livre dos efeitos visuais que tanto gosta de ressaltar, Michael Bay entrega um filme também tecnicamente quase irrepreensível para o padrão do gênero, mesmo que sua edição acelerada não repercuta em uma duração mais curta e agradável (são mais de duas horas de filme). Mas o fato é que estamos diante de um Bay menos intragável, por diversas vezes de comicidade eficiente, apesar de ainda precisar melhorar muito para ganhar o respeito de público e crítica.

Darlano Didimo
@rapadura

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