Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os Instrumentos Mortais: Cidade dos Ossos (2013): um irregular, mas positivo começo

Aos trancos e barrancos, o primeiro filme da série literária criada por Cassandra Clare consegue decolar, graças a uma protagonista carismática e um universo intrigante, mesmo longe de original.

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Um dos maiores elogios a serem feitos a uma adaptação é que ela instiga o público a ir atrás da obra original. Pois bem, mesmo com problemas, a versão cinematográfica de “Os Instrumentos Mortais – Cidade dos Ossos”, ao lidar com temas maduros de maneira bastante sóbria, deve despertar o interesse das audiências não-iniciadas por sua versão literária, criada por Cassandra Clare.

Com direção do holandês Harald Zwart (“Karate Kid”), o filme foi escrito pela novata Jessica Postigo. Na trama, após ter sua mãe (Lena Headey) sequestrada, a jovem Clary (Lily Collins) descobre fazer parte de uma linhagem de guerreiros semi-angelicais, os Caçadores de Sombras, guiados pelo recluso Hodge (Jared Harris).

A parir daí, ela e seu tímido amigo “mundano” – o termo particular da franquia para pessoa normal – Simon (Robert Sheehan) descobrem os segredos do submundo de Nova York, repleto de demônios, vampiros, magos e lobisomens (mas não de zumbis). Enquanto isso, para desespero de Simon, Clary começa a se sentir atraída por Jace (Jamie Campbell Bower), líder de campo dos Caçadores de Sombras.

Se o triângulo amoroso entre Clary, Simon e Jace remete à “Crepúsculo”, isso não é algo acidental, pois o sucesso daquela série nas bilheterias abriu as portas para diversas outras adaptações literárias, com produtores ávidos para explorar o vácuo deixado pelo fim da “saga”. Mas este longa tem uma bela vantagem sobre as fitas baseadas na obra de Stephanie Meyer: uma protagonista forte.

A Clary de Lily Collins, mesmo com seus momentos de hesitação, sempre se mostra corajosa e disposta a correr riscos, tendo uma missão a cumprir e focando-se (roteirismos a parte) nela, algo que desperta a simpatia do público. Suas qualidades e fragilidades são expostas na tela de modo competente por Collins e nos fazem entender o porquê do interesse de Jace e Simon pela heroína, tornando esses relacionamentos mais reais.

Robert Sheehan se sai até que bem ao compor seu Simon, que reage com incredulidade, espanto e até algum humor (inclusive referenciando o clássico  “Os Caça-Fantasmas”) ao perigoso mundo novo que lhe é apresentado. O grande calcanhar de aquiles do trio é o oxigenado Jace, com Jamie Campbell Bower em uma interpretação monótona de um personagem que, durante toda a projeção, revela-se aborrecido ao ponto de causar tédio.

Os momentos mais íntimos entre Jace e Clary são extremamente bregas, com um risível destaque para a cena dos dois em um jardim, sequência que mais parece parte de um meloso videoclipe romântico de alguma boy band dos anos 1990. Aliás, o script de Jessica Postigo escorrega justamente quando tenta soar mais profundo, com alguns diálogos tão pretensiosos que beiram o humor involuntário.

Os demais Caçadores de Sombras tiveram mais sorte. Jemima West revela força e valentia em sua performance como Isabelle e Kevin Zegers está ótimo como Alec, que sofre com os seus sentimentos mal-resolvidos para com Jace, algo com que o roteiro lida de maneira direta e honesta, algo surpreendente considerando as fragilidades do guião ao tentar explorar de maneira mais intensa outros personagens.

Nisso, vemos o experiente Jared Harris tendo seu Hodge prejudicado por uma virada de roteiro mal explicada, mal que também acomete Jonathan Rhys Meyers, cujo vilão Valentim tem suas motivações obscurecidas por um texto que parece não saber muito bem o que o personagem realmente quer ou qual o seu plano derradeiro, pecado mortal ao tentar se criar um antagonista efetivo. Até mesmo os capangas de Valentim parecem mais perigosos que ele, justamente por se mostrarem ameaças mais objetivas.

Harris e Meyers, por sinal, protagonizam uma das cenas mais covardes da produção, onde adiantam uma mentira que, caso não tivesse sido revelada, tornaria o desfecho da fita mais chocante, em um momento que parece ter sido inserido ali por exigência dos produtores e cuja ausência daria outros tons à escalação de Lena Headey para o papel da mãe da protagonista.

Harald Zwart fez um bom trabalho ao estabelecer o universo sombrio da franquia, graças a uma direção de arte efetiva que equilibra diversos elementos sobrenaturais que surgem no decorrer da história e os uniformiza de uma maneira que eles fazem sentido dentro do mesmo filme, mas sem distanciá-los das suas origens. Além disso, as batalhas que ocorrem ao longo da projeção são visualmente brutais (considerando a classificação indicativa da película) e usam bem as habilidades dos envolvidos, com confrontos que jamais ficam repetitivos. A montagem apresenta algumas “barrigas” – como nos momentos que antecedem a invasão a um covil de vampiros, mas nada que comprometa o resultado final.

Mesmo com suas fragilidades óbvias e a superficialidade de alguns plots, que parecem costurados à força na narrativa por serem necessários para as continuações, “Os Instrumentos Mortais – Cidade dos Ossos” começa esta nova série cinematográfica de maneira positiva, em uma aventura que não ofende a inteligência de seu público-alvo, algo raro nos dias de hoje, infelizmente.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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