Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 27 de agosto de 2013

Os Sabores do Palácio (2012): leve e equilibrado, mas falta sal

Roteiro pouco trabalhado com premissa sem grandes atrativos resulta em um prato morno que nem uma ótima e carismática cozinheira consegue elevar.

Os Sabores do PalácioSepare uma história comum. Certifique-se de que ela tem boas doses de fatos reais para garantir mais sabor. Adicione uma protagonista de bastante carisma a uma base amarga. Recheie com pitadas de humor, mas não muitas, de modo a deixar o sabor equilibrado. Mexa tudo com firmeza em uma mistura homogênea e voilà! Está pronto o prato vindo da França em 2012, idealizado pelo chef  Christian Vincent. Uma receita leve, de sabor agradável, porém na qual se percebe que realmente faltou ousadia, faltou… tempero!

Baseado na vida de Danièle Deupelch, mais especificamente no período que passou como cozinheira do presidente francês François Mitterand, “Os Sabores do Palácio” nos revela os desafios encarados pela contraparte de Deupelch, Hortense Laborie (Catherine Frot) em seus encargos no Palais Élysée. Uma proposta cuja casca parece um pouco sem gosto. O problema é o recheio também o ser.

A protagonista, a qual já sabemos logo no início da projeção que passara apenas alguns anos trabalhando para o presidente, se encontra como chef em uma instalação de pesquisas na Antártica. Enquanto alimenta um batalhão de pesquisadores, é procurada por uma jornalista australiana e seu glutão companheiro cinegrafista para ser entrevistada, evitando-os a todo custo. A partir daí, a narrativa alterna entre seu cotidiano na base e flashbacks desencadeados sem justificativa aparente dentro da lógica do roteiro e que acompanham os dias na residência presidencial. Os ambientes frios e mais melancólicos do continente austral e a desnecessária subtrama da repórter se alternam em cortes por vezes bruscos com os grandiosos cômodos do palácio, representados com cores mais vivas pela fotografia.

E na prestigiada cozinha do chefe de estado, Laborie vê seu habitat natural ganhar o sabor acre e desarmonioso do machismo. Sempre em trajes escuros, que destoam dos uniformes brancos dos outros funcionários, ela é hostilizada e isolada do resto do grupo, passando a maior parte do tempo com seu assistente Nicolas Bauvois (Arthur Dupont). Tanto a personagem de Dupont quanto o presidente (vivido com ares de sábio por Jean d’Ormesson), com o qual a chef tem esporádicas conversas, garantem divertidos momentos nos quais a descontração impera em provas de receitas erradas ou em conversas sobre a infância.

Entretanto, é realmente Frot que chama atenção e carrega todo o longa , ao apresentar uma Laborie determinada e exigente para com suas tarefas, mas que ao mesmo tempo sabe ser divertida e amável. Em sutilezas como olhares e sorrisos, nossa identificação com a personagem pode ser tanta que a cada restrição que ela recebe em seu trabalho, sentimos uma sensação de sermos podados e impedidos de realizar o que realmente gostamos com maior qualidade.

Mesmo assim, a protagonista poderia ser melhor aproveitada por um roteiro que perde oportunidades de se desenvolver ao apresentar, por exemplo, pouquíssimos detalhes sobre sua contratação ou seu passado. Além disso, o transcorrer do segundo ato tem maior efeito sobre nossos estômagos do que sobre a própria narrativa em si, gastando linhas e linhas de texto em descrições inteiras de receitas de maneira repetitiva e sem ter maiores ganchos que impulsionem a história.

Indicado para ser degustado em pratos rasos, “Os Sabores do Palácio” é preparado de maneira econômica e discreta e rende uma hora e meia com foco em fatos cotidianos que podem não despertar grande interesse. De textura consistente, as notas finais até garantem emoção ao paladar, todavia, a falta de cuidado com a estrutura e de temperos que dessem um toque diferente prejudicam uma melhor apreciação. Não chega a ser um prato principal, mas acompanhado de pipoca e refrigerante dentro de uma sala escura, funciona como uma boa entrada.

Obs.: Indispensável mencionar que todos os pratos apresentados no filme são de dar água na boca e farão com que o destino ao sair do cinema provavelmente seja um bom restaurante.

Mateus Almeida
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