Trazendo novos conflitos existenciais ao Superman e atualizando o clássico herói para o público de hoje, este novo filme de Zack Snyder tem seus problemas e o diretor pesa demais a mão na ação no último terço da projeção, mas o saldo final ainda é deveras positivo.
Planeta condenado. Cientista desesperado. Última Esperança. Casal Bondoso. Superman. A história do último filho de Krypton está presente na cultura popular mundial nas mais diversas mídias há 75 anos, sendo recontada de modos diferentes, mas sempre mantendo esses pilares básicos.
A Warner recrutou para este aguardado reboot os cineastas que melhor trabalharam com personagens advindos dos quadrinhos junto ao estúdio no passado recente, Christopher Nolan (trilogia “O Cavaleiro das Trevas”) e Zack Snyder (“Watchmen – O Filme”). Nasceu assim “O Homem de Aço”, releitura atualizada da criação máxima de Jerry Siegel e Joe Shuster.
Salvo da destruição iminente de seu planeta natal graças às ações de seu pai, Jor-El (Russell Crowe), o pequeno Kal-El pousa na Terra, sendo criado pelo amoroso casal de fazendeiros Jonathan e Martha Kent (Kevin Costner e Diane Lane).
Rebatizado de Clark Kent (Henry Cavill), ele se vê obrigado a revelar seus dons alienígenas quando seu conterrâneo, o renegado General Zod (Michael Shannon), chega em seu mundo adotivo com ambições de recriar Krypton no atrasado planeta azul, mesmo que tenha de extinguir a raça humana no processo.
Clark se sente deslocado, peregrinando pelo mundo incapaz de estabelecer qualquer relacionamento com outras pessoas além de seus pais terrenos, sendo este drama pessoal a parte mais importante do desenvolvimento do personagem, visto como uma aberração aos olhos dos demais kryptonianos e (inicialmente) como um estranho invasor pelos terráqueos.
Henry Cavill expressa de maneira tocante essa sensação de alienação, passando ainda a alegria do personagem ao finalmente descobrir qual o seu papel e abraçar o seu pesado destino. Com um semblante nobre e gentil, o ator britânico encarna muito bem o clássico herói e convence fisicamente no papel, carregando o peso de suceder Christopher Reeve, mas jamais o imitando em qualquer aspecto (erro cometido por Brandon Routh em “Superman – O Retorno”).
Este sentimento de não pertencer a lugar nenhum é o motivo da conexão entre Superman e a valente jornalista Lois Lane, vivida por Amy Adams, a primeira pessoa a realmente aceitá-lo. Mesmo com a química entre Henry Cavill e Amy Adams não se mostrando a ideal, as interações entre os dois não comprometem. Isoladamente, a versão de Lois criada pela atriz se mostra bastante forte, não estando ela reduzida a ser uma donzela que necessita constantemente de resgate, tendo um papel deveras ativo na história.
Outro personagem que sai de um papel mais passivo e se torna uma figura de ação é Jor-El. O sempre marcante Russell Crowe dá ao cientista pai de Kal-El uma aura de descontentamento e esperança, além de um espírito combativo ausente na consagrada interpretação de Marlon Brando. Ele vê a decadência de Krypton com tristeza genuína, enxergando em seu filho a última esperança de seu mundo.
Funcionando como sua contraparte, o ameaçador Zod de Michael Shannon é um fanático dedicado a proteger o estilo de vida que conhece a todo custo, nascido e criado com este único propósito. A interpretação apaixonada de Shannon contrasta com a frieza de Antje Traue como Faora, com os dois funcionando muito bem como os vilões principais da produção.
Em curta, mas marcante participação, Kevin Costner está ótimo como Jonathan Kent, tendo o espírito de homem comum do campo e demonstrando carinho genuíno pelo filho. Por sua vez, Diane Lane e Lawrence Fishburne, embora exibam performances compatíveis com suas belas carreiras, não têm muito destaque ou tempo de tela.
Nolan assina a fita como produtor desta, tendo concebido o argumento ao lado de seu colaborador nos três capítulos de “Batman”, David S. Goyer, responsável pelo roteiro final. Portanto, não é de se espantar que muito da estrutura do longa remeta diretamente à “Batman Begins”. Assim como a película que revitalizou o Homem-Morcego pendia muito mais para o gênero policial que para uma aventura super-heroica (como “Os Vingadores”, por exemplo), o que temos aqui é um exemplar de ficção científica de ação.
Não que as HQs sejam completamente esquecidas. Histórias clássicas do personagem como “Pelo Amanhã”, “O Legado das Estrelas”, “Grandes Astros – Superman”, “A Morte do Superman” e “Último Filho”, bem como os gibis escritos e desenhados por John Byrne nos anos 1980 são referenciadas, seja através de diálogos ou mesmo visualmente. Mesmo o antigo conceito da cidade engarrafada de Kandor ganha aqui uma surpreendente reinterpretação.
A trama se apresenta como um recorte coerente desses elementos já conhecidos, reconhecíveis para os fãs da nona arte, mas também como um roteiro independente de conhecimento prévio para os não-iniciados que nunca abriram uma HQ na vida, com o texto apresentando, neste sentido, um raro equilíbrio.
Goyer acerta no quadro geral, mas derrapa na sintonia fina do script, com alguns diálogos ultrapassando a linha do brega e martelando desnecessariamente certos plots, especialmente os paralelos entre as jornadas de Clark Kent e Jesus Cristo, algo potencializado por planos nada sutis de Zack Snyder, como o que enquadra Kent em frente a um vitral em uma igreja.
Diretor com um apuro visual imenso, Snyder conduz a fita com seriedade inabalável desde seu primeiro frame, mergulhando a audiência no drama de Clark e deixando de lado seus vícios estéticos mais conhecidos, como a câmera lenta, e embarcando de maneira mais naturalista na narrativa.
Tal decisão o levou a adotar apenas câmeras de mão durante as filmagens, buscando inclusive dar uma urgência maior à narrativa. Há alguns exageros nesta decisão, mas nada que incomode muito. A paleta de cores, inicialmente com tons mais frios, ganha vida à medida que a figura do Superman se consolida. Os efeitos especiais são espetaculares, mesmo com pontuais excessos de computação gráfica, especialmente no derradeiro terço da projeção. O 3D não é apenas desnecessário, não acrescentando nada à narrativa ou ao espetáculo, como também acaba prejudicando a fotografia por conta do escurecimento das cores causado pelos óculos.
Se a equipe técnica escorrega em algum quesito é na montagem. Os flashbacks são costurados de modo pouco orgânico dentro da narrativa, embora sejam essenciais à compreensão desta. Alguns cortes são secos demais, com destaque negativo para aquele que tira os personagens do interior de uma base militar e os leva para uma cena externa do nada, em um péssimo raccord.
O design de produção rompe com o que havia sido estabelecido na cinessérie anterior, estabelecendo uma identidade visual própria. Krypton foge do visual cristalino e adota uma arquitetura mais orgânica, com clara inspiração em H.R. Giger (“Alien – O Oitavo Passageiro”), algo que funciona em boa parte do tempo, apesar do excesso de formas fálicas. As atualizações nos figurinos do Superman e de Zod e seus asseclas fazem sentido dentro da história e funcionam dentro do filme, com a famigerada “cueca por cima da calça” não encontrando espaço aqui.
O compositor Hans Zimmer teve a difícil tarefa de criar um tema musical para o filme a altura daquele composto por John Williams nos anos 1970. Zimmer, então, se aproveita do lado sci-fi desta nova interpretação da franquia e nos traz temas mais etéreos e alienígenas, que ganham vitalidade aos poucos, destacando-se no momento do primeiro voo do herói.
É uma pena que a escala megalomaníaca dos confrontos no último ato da produção abafe a dramaticidade que essas cenas deveriam ter, tornando o que deveria ser um catártico duelo final em uma luta gigantesca e genérica, que só se destaca por conta de seu polêmico – mas coerente – final. Mesmo com seus tropeços e quedas, o novo Superman voa em direção ao sol, reiniciando com sucesso essa franquia importantíssima para a Warner e para a própria cultura pop. Para o alto e avante.