Produzida e protagonizada por Brad Pitt, esta superprodução alivia no sangue e no gore para atrair um público maior, mas apresenta seus fortes temas de maneira sólida.
A raça humana possui um peculiar fetiche pelo fim do mundo. Seja por meio de pragas, meteoros gigantes, inundações, congelamento ou pelo fogo infernal, somos todos fascinados em especular como reagiríamos diante da aniquilação da nossa espécie. Isso porque esses apocalipses fictícios permitem o público refletir sobre sua própria existência e moralidade em um cenário impossível, algo próximo de um Kobayashi Maru pessoal.
Atualmente, as “armas do crime” da moda para esses cataclismos são os zumbis, algo que faz sentido. Ora, tais criaturas são carcaças vazias de indivíduos que outrora foram seres humanos, metáforas perfeitas para tempos nos quais a superficialidade impera. Nisso, Brad Pitt percebeu o potencial do livro “Guerra Mundial Z”, de Max Brooks, e correu para assegurar os direitos de produzir sua versão para cinema.
A despeito dos diversos problemas na manufatura do script (que contou com nada menos que quatro roteiristas trabalhando nele em momentos diferentes – Matthew Michael Carnahan, Drew Goddard, Damon Lindelof e J. Michael Straczynski), o texto final ficou interessante e corajoso, até determinado ponto.
Pitt vive o ex-investigador da ONU Gerry Lane, que se retirou do seu perigoso emprego para dedicar-se à família. Quando uma misteriosa epidemia se espalha causando o apocalipse zumbi, Gerry é chamado para descobrir o local de origem da moléstia e uma possível cura. Em troca de sua perigosa peregrinação mundial, sua esposa e filhas serão mantidas em um local seguro.
O diretor Marc Forster, cuja maior constante em sua diversificada filmografia foi seu apuro visual/narrativo, imprime um ritmo frenético à fita, algo que espelha a ferocidade de suas criaturas. Não esperem por monstros lentos aqui, mas sim verdadeiros animais raivosos, capazes de tudo por “alimento” e imbuídos da mentalidade de uma multidão descontrolada.
A câmera de Forster, durante os dois primeiros atos da narrativa, raramente se aproxima dos zumbis, evitando detalhar seus rostos, mostrando-os de longe como multidões descontroladas e sem rosto. Nesses pontos da narrativa, a face dos “zekes” são enfocadas apenas de maneira pontual, quase sempre em planos extremamente curtos, visando assustar o público (especialmente com o uso do 3D).
No terceiro ato, quando Gerry já tem uma maior “familiaridade” com os zumbis e a própria história pede uma maior exploração destes, Foster se permite alguns planos médios focados nos desmortos, valorizando o trabalho de maquiagem realizado por sua equipe, arriscando até mesmo um rápido plano subjetivo. Note-se ainda a ausência de sangue ou gore do filme, que prefere investir mais no suspense que no choque (e o fato que a ausência desses elementos diminui a classificação indicativa da produção também não é mera coincidência).
Por conta disso, a história se foca muito na personalidade de seu protagonista. Rapidamente a película estabelece a personalidade de Gerry, seu cuidado com as filhas e a relação de cumplicidade para com a esposa. Também de modo econômico, suas qualidades profissionais são logo expostas, mostrando sua inteligência e capacidade para se adaptar rapidamente aos diferentes problemas que lhe são apresentados.
Brad Pitt, único astro do projeto, mostra-se sempre à altura do papel, ao transmitir a sensação de urgência que o papel pede e jamais transforma Gerry em uma figura invencível, lhe dando a vulnerabilidade suficiente para que nos preocupemos com seu destino. A linha de raciocínio do personagem é sempre certeira e acompanhamos seu processo de decisão, que jamais parece forçado pelo roteiro.
Por meio da relação de Gerry com os outros personagens, questiona-se a importância de conceitos como amor, lealdade e gentileza. Mesmo com esses coadjuvantes não sendo explorados de maneira mais profunda, eles estão longe de serem meros pedaços de carne a serem sacrificados ao zumbi em prol da diversão da audiência.
Neste sentido, as principais figuras femininas do filme se destacam. Mireille Enos, como a forte esposa de Gerry, Karin, transmite por meio de olhares e meias-palavras toda a cumplicidade que seu casamento carrega. Já Daniella Kertesz vive a valente militar israelita que acompanha o protagonista e acaba roubando algumas cenas com suas atitudes. O experiente David Morse também tem uma participação curta em cena, que se tornou marcante graças à sua excêntrica atuação como um agente da CIA.
A estrutura de três atos do longa é marcada por seis sequências de ação principais, bem realizadas e diferentes entre si, elaboradas de modo a não somente manter o espectador na ponta da cadeira, mas também a avançar a história. No ataque mais marcante, enquanto palestinos e israelenses finalmente deixam de lado suas diferenças territoriais e religiosas, uma turba de descerebrados transforma uma celebração de paz em uma carnificina, em um triste paralelo com o mundo real.
A versão 3D usa (e eventualmente abusa) do expediente de “jogar” objetos contra o espectador, dando toque de filme b de monstros em dados pontos da projeção que até diverte, mas foge um pouco da proposta geral da produção e distrai excessivamente o público. Completando o espetáculo, a trilha sonora do experiente compositor Marco Beltrami e da banda Muse empolga e complementa a história, embora o tema principal acabe se mostrando excessivamente animado em alguns momentos.
Tenso e eficiente, “Guerra Mundial Z” é uma boa adição aos diversos fins do mundo que o cinema nos proporcionou, tendo coragem de adentrar em alguns temas mais espinhosos sem diminuí-los e sem abandonar sua proposta mais pop.