Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 09 de junho de 2013

Depois da Terra (2013): relação entre pai e filho é o foco de morna ficção científica

Repleto de simbolismos e alguns paralelismos com a trajetória real de seus protagonistas, este novo trabalho de M. Night Shyamalan se mostra deveras insensível, sendo incapaz de resgatar o diretor promissor de outrora de sua péssima fase.

depoisdaterra_4Era uma vez um garoto que ansiava seguir os passos de seu pai em um ofício no qual este último logra grande êxito, um campo repleto de perigos e seres querendo acabar com o outro. Então o garoto acaba sendo guiado pelo pai, à distância, até chegar ao seu objetivo. Essa historinha simples pode resumir muito bem tanto o longa “Depois da Terra” quanto a trajetória de Will e Jaden Smith, pai e filho que estrelam este novo trabalho de M. Night Shyamalan, baseado em um argumento concebido pelo próprio ex-Maluco no Pedaço.

De pronto, parece difícil encontrar os motivos que levaram o chefe do clã dos Smith a chamar Shyamalan para este projeto. A despeito dos seus sucessos iniciais, o cineasta indiano hoje é quase motivo de piada em Hollywood, especialmente após os desastres junto ao público e crítica que foram seus últimos filmes (“A Dama na Água”, “Fim dos Tempos” e “O Último Mestre do Ar”), tanto é que é visível o esforço que a equipe de marketing faz para esconder o nome do diretor.

No entanto, é impossível negar que Shyamalan possui uma sensibilidade única, especialmente no que tange a relações familiares. Os dois melhores filmes de sua filmografia, “O Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”, eram, em algum nível, histórias sobre filhos à procura de amor e compreensão, com “Sinais” e “A Vila” também lidando com esses temas. Ademais, com a “marca” do cineasta em baixa, os Smiths se tornariam o foco publicitário da fita, algo muito apreciado por Will, um ególatra conhecido.

O roteiro, escrito pelo diretor em colaboração com Gary Witta (“O Livro de Eli”), nos apresenta a um futuro onde a humanidade abandonou a Terra, que, após séculos de abuso, tornou-se praticamente incapaz de sustentar a vida humana. No espaço, os humanos descobriram não estarem sós no universo, sendo atacados por uma raça alienígena que se utiliza de armas biológicas conhecidas como Ursas, feras poderosas e cegas que caçam suas presas pelo cheiro exalado quando estas entram em pânico.

Neste cenário, a força de defesa humana conhecida como Rangers é liderada pelo general Cypher Raige (Will Smith), um guerreiro tão destemido que se mostra invisível frente aos Ursas. As responsabilidades de Raige o mantém afastado de sua família, algo especialmente penoso para seu filho, Kitai (Jaden Smith), que treina para se unir à corporação comandada por seu pai.

Buscando se reconectarem, os dois vão juntos a uma missão de treinamento comandada pelo general, sua última antes de anunciar a aposentadoria. Mas quando a nave que os levava acaba caindo na hostil Terra e Cypher se fere gravemente, Kitai tem de mostrar seu potencial e salvar os dois, atravessando centenas de quilômetros neste perigoso território para chamar o resgate, sendo guiado pela voz de seu pai.

Shyamalan e Witta colocam alguns conceitos interessantes na narrativa, permitindo que a produção e a direção de arte desta empreitada fujam um pouco do lugar-comum do gênero. O fato de o Planeta Terra ter evoluído para evitar uma segunda contaminação humana remete aos anticorpos que nós mesmos criamos para nos proteger de uma doença da qual nos livramos anteriormente.

O design das naves humanas, lembrando arraias, é extremamente elegante e funcional, seguindo nossa tendência de aproveitar formas e funções de animais nos veículos. Até mesmo o fato de a tecnologia ser baseada em tecidos se mostra uma consequência natural do crescendo tecnológico e da própria necessidade de colonização. Os mesmos elogios não cabem quanto a concepção das feras alienígenas cegas, uma ideia que funciona bem para criar simbolismos, mas que soa ridícula mesmo naquele universo.

Com o passar da projeção, vemos o erro de Smith em escolher Shyamalan para conduzir a fita. Os planos longos do diretor deixam a película com um ritmo extremamente moroso, incompatível com o clima de tensão que a história deseja imprimir a partir do segundo ato. Mesmo a introdução da história é mostrada por meio de uma injustificada câmera lenta. Além disso, o próprio estilo cadenciado do cineasta é absolutamente incompatível com a persona cinematográfica de Will Smith.

O expansivo ator, capaz de dominar qualquer ambiente com seu carisma, surge paralisado em cena, sem expressão alguma, incapaz de transmitir quaisquer emoções. Se inicialmente a apatia de Smith evidencia a falta de temor de seu personagem, logo fica claro que o recurso foi usado de maneira exagerada, tornando Cypher um homem desinteressante e sugando toda a presença de cena de seu intérprete. Cada vez que Smith surge na tela parece que o público está vendo um tenista engessado, incapaz de fazer o que faz de melhor em um jogo que domina.

Com isso, a responsabilidade de segurar a atenção do espectador recai sobre os frágeis ombros de Jaden Smith. Se em “Karate Kid” o rapaz se mostrou à altura da tarefa, desenvolvendo uma boa química com Jackie Chan, aqui ele passa boa parte do tempo sozinho em cena, reagindo apenas aos voice overs e CGI, o que prejudica bastante sua atuação. Inexperiente com o gênero e sem uma boa orientação, o jovem Smith está perdido e inseguro em cena, com exceção dois momentos mais emotivos, especialmente um a beira de um precipício, nos quais podemos sentir alguma coisa mais real na relação entre pai e filho.

A jornada emocional de Kitai é uma que todos os filhos devem fazer, o que mostra que a história possui sim uma força dramática, mas ela é retratada de uma forma vazia por Shyamalan, se revelando oca e desprovida de sentimentos. A maior prova do insucesso do filme é o fato de que o seu momento mais tocante é protagonizado por uma criatura alada digital. Uma pena.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe