Comédia nacional se aproveita da ideia de Charles Dickens para fazer merchandising com apenas alguns vislumbres de diversão.
As comédias brasileiras que chegam ao circuito comercial geralmente apresentam o selo da Globo Filmes e sua falta de qualidade característica. Eis que surge “Odeio o Dia dos Namorados”, que embora não esteja vinculada à empresa em questão, carrega a mesma linguagem, elenco, diretor e mau gosto dos produtos desta. Isso demonstra a padronização artística e a centralização mercadológica às quais o atual cenário cinematográfico brasileiro está limitado, parecendo depender de fórmulas para alcançar uma visibilidade para além de festivais e sessões de arte.
Estrelado por Heloísa Périssé – que ao lado de Ingrid Guimarães parece ser a única opção para o humor feminino nacional –, o longa segue as desventuras de Débora, uma empresária de uma agência de publicidade que vive para o trabalho e não demonstra o mínimo interesse em romantismo, mantendo-se orgulhosamente solteira com relações casuais. Em um momento decisivo de sua vida, Débora entra em uma jornada de autodescoberta à la Scrooge, guiada pelo espírito de seu falecido amigo e colega de trabalho Gilberto, interpretado por Marcelo Saback.
De fato, trocando o velho rabugento por uma mulher rancorosa, o Natal pelo Dia dos Namorados e economizando dois fantasmas, o longa não é nada mais do que uma espécie de remake disfarçado e mal feito da famosa história de Charles Dickens. Passado, presente e futuro são apresentados à protagonista visando um aprendizado desta sobre si mesma a fim de mudar sua conduta. A esperteza dos realizadores vem do marketing exacerbado de uma determinada marca de chocolate em torno da qual gira boa parte da trama.
Roberto Santucci dirige o roteiro de Paulo Cursino, com quem trabalhou em seus três filmes anteriores: “Até que a Morte Nos Separe”, “De Pernas pro Ar” e sua sequência igualmente medíocre. Entretanto, a dupla parece ter evoluído consideravelmente sua dinâmica, acertando mais no timing das piadas e na própria efetividade destas. Alguns diálogos de Cursino funcionam muito bem do ponto de vista humorístico. Embora o ritmo cômico seja irregular de forma geral, um estilo de humor mais rápido e inusitado em determinados momentos consegue extrair sorrisos sinceros do espectador. Infelizmente, isto ocorre de forma pontual durante o longa, prevalecendo uma narrativa superficial e previsível.
Saback provavelmente é o que o filme tem de melhor. O ator rouba a cena na pele do amigo homossexual que, embora caricato, demonstra mais talento do que a atuação burocrática de Périssé, chegando ao cúmulo do artificialismo em certos momentos. A desenvoltura de Saback é prejudicada apenas pelas próprias limitações da obra em si, que oferece mais do mesmo com breves vislumbres do que poderia vir a ser caso se libertasse das amarras do convencional.
Tecnicamente, o filme é deprimente. Um exemplo é quando Débora joga o celular de uma funcionária pela janela e o eixo de câmera muda bruscamente de um plano para outro, com o objeto saindo pela direita e entrando pela esquerda em seguida – fazendo D. W. Griffith se revirar no túmulo. Há quem possa achar exagero pontuar aspectos deste tipo em um filme que “foi feito apenas para rir”, mas quando se trata de noções básicas de linguagem cinematográfica necessárias para a realização de qualquer filme, não há proposta rasa que justifique tal incompetência.
Outro ponto que incomoda visualmente são as cenas com uso de chroma (a famosa tela verde ou azul), que além de absurdamente mal feitas, evidenciam a falha da produção em conseguir locações de acesso relativamente fácil para um longa deste porte. A cena em que Débora está sentada na cadeira de um aeroporto, por exemplo, é composta apenas por planos fechados, podendo o cenário ter sido facilmente simulado em estúdio com os próprios atores. Em vez disso, o que vemos é o desfoque e o brilho exagerados da imagem de fundo que tentam disfarçar a locação inserida digitalmente, mas acabam por evidenciar a gritante separação entre esta e as personagens em evidência no primeiro plano.
Apesar das grandes falhas, “Odeio o Dia dos Namorados” consegue com dificuldade se sobrepor à maioria dos filmes que compõem o vergonhoso grupo de comédias nacionais, ainda que esteja longe de se destacar como diferencial. Algumas piadas realmente funcionam, mas não é só isso que vale em um filme, nem que seja uma comédia despretensiosa. A falta de originalidade, os deslizes técnicos, o ritmo irregular, os personagens genéricos e principalmente a acomodação com o lugar comum fazem deste filme apenas mais um do pacote.