Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 04 de junho de 2013

Camille Outra Vez (2012): magia e destino em comédia reflexiva

Usando o expediente fantástico da viagem no tempo para explorar os sentimentos de dor, perda e amor de sua protagonista, o longa se mostra uma ótima mistura de drama e comédia, graças à singular sensibilidade de Noémie Lvovsky.

camilleViajar no tempo, seja em carros 0itentistas, cabines telefônicas, dispositivos exóticos ou até mesmo por mutação genética, é uma das fantasias mais antigas da humanidade, pela oportunidade de visitar eventos passados ou pela curiosidade de ver o futuro, até mesmo evitar o cometimento de alguns erros. Pois este “Camille Outra Vez” preocupa-se menos com o “como” e mais com a jornada de aprendizado da sua protagonista, sempre em um tom leve e descontraído, mas nunca perdendo de vista os dramas vividos pela viajante acidental.

Dirigido e estrelado por Noémie Lvovsky (que também coescreveu o roteiro ao lado de Maud Ameline, Pierre-Olivier Mattei e Florence Seyvos), a trama é relevante para a cineasta/escritora/atriz, que vive a personagem título como uma mulher presa em uma mediocridade atormentadora. Aos 41 anos de idade, a carreira de atriz de Camille se resume a figurações em filmes b, seu casamento acabou com seu marido a deixando por uma mulher mais nova e ela não fala com a filha há três anos.

Após tomar um porre no revellion, ela acorda em plena década de 1980, no auge de seus 16 anos (embora, para ela, seu corpo não tenha mudado). Após realizar onde está, Camille tenta desfazer o que ela tem como erros, principalmente o início de seu romance com Éric (Samir Guesmi), o seu futuro ex-marido.

Lvovsky não explica exatamente como Camille viaja no tempo, empregando bem o já conhecido recurso do velho sábio e meio louco e mágico, aqui vivido pelo lendário Jean-Pierre Léaud, que viveu o alter-ego de Truffaut nos filmes de Antoine Donel. O meio da jornada não é importante, mas sim o que acontece no decorrer desta e como ela muda o viajante, algo que a cineasta e atriz compreende de maneira cristalina.

Em um sensível trabalho de direção, Lvovsky deixa a trama carregar a câmera, gostando muito de trabalhar os rostos de seus personagens e lançando mão da trilha sonora apenas quando extremamente necessária, deixando o trabalho de seu elenco falar por si só, o que demonstra uma – justificada – confiança em si e no restante dos atores por ela escalados.

Obviamente, o peso da produção toda repousa no carisma de Lvovsky como atriz, haja vista esta aparecer em 100% das cenas do longa. E ela não decepciona. Sua Camille soa humana, cheia de falhas e arrependimentos extremamente comuns e relacionáveis, abraçando essa segunda chance como um modo de corrigir sua mediana vida, fugindo do amor e da tragédia que marcaram essa fase tão turbulenta da sua vida até o seu “presente”. A dor misturada com amor e alegria que ela sente todas as vezes nas quais se encontra com Éric ou com sua mãe é palpável, em um belo trabalho de interpretação e composição.

A busca por outros braços para fugir do seu destino inevitável e as tentativas de evitar a dor que acompanha ter seu coração nas mãos de pessoas que ela sabe que irão abandoná-la são o norte dramático da produção, mas isso não significa que a película seja exclusivamente dramática, proporcionando momentos engraçadíssimos à audiência, como a tentativa de Camille em ter uma experiência sexual com alguém que não seja Éric, quase como se o destino estivesse conspirando para esta dar errado.

A caracterização da França de 1985 é extremamente divertida, especialmente com os figurinos e penteados bregas da época. As maquiagens utilizadas nas amigas e no interesse amoroso da nossa heroína jamais têm a intenção de serem realistas, mas caricaturais. E o fato de a própria Camille não aparecer rejuvenescida para o público aumenta a cômica sensação de absurdo e reforça o caráter pessoal da trama, com a autora jamais se desvinculando de sua criatura.

O elenco de apoio está ótimo, especialmente o já citado Samir Guesmi, a veterana Yolande Moreau, que faz a mãe de Camille em tocante atuação, e Denis Podalydès, como o tímido professor de física da viajante.  As atrizes que vivem o trio de melhores amigas também merecem destaque, até por representarem lados diferentes das inseguranças presentes e passadas da personagem principal. Atentem também para a divertida ponta de Mathieu Amalric como um sádico professor de francês.

Fulminando o público ao encerrar o longa em um diálogo franco no qual deposita todo o peso do arco da protagonista, “Camille Outra Vez” é um daqueles exemplares do novo cinema francês que se utiliza do fantástico para escancarar sentimentos do cotidiano, em uma mistura agridoce e encantadora de risos e lágrimas.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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