A atriz Rachel Weisz e o diretor Terence Davies fazem belos trabalhos, apesar de o roteiro pouco se preocupar em justificar as atitudes inconsequentes de sua personagem principal.
A Hester Collyer, de Rachel Weisz, protagonista deste “Amor Profundo”, não poderia ser uma mulher mais sofrida. Sua tristeza está no seu olhar, em seus gestos, em suas atitudes. O amor deveria ser seu combustível, mas ela acaba transformando-o em algo absolutamente destrutivo. Parece não saber o que quer. Talvez seja depressiva, talvez viver em uma Londres pós-guerra atormente-a ainda mais, talvez sua falta de referência familiar seja a causa para tantas perturbações. A verdade é que Terence Davies, que dirige e escreve o filme, não nos dá essa resposta. Ele muito menos abre espaço para o público fazer sua própria interpretação. Desta forma, o longa acaba desperdiçando seu enorme potencial, virando um visualmente belo, intenso, mas raso drama de época.
Passada nos anos 50, quando a Europa ainda convive com as destruições causadas pela 2ª Guerra Mundial, a película conta a história de Hester Collyer, a esposa do juiz William Collyer (Simon Russel Beale) e dona de casa pouco dedicada, aparentemente. O surgimento de um jovem militar, de nome Freddie Page (Tom Hiddleston), em seu convívio, porém, acaba fazendo-a deixar seu conforto. Ela foge para os braços do rapaz. Parece buscar intensidade. E isso, definitivamente, ela consegue, mas não apenas advindo da paixão, mas também das brigas e discussões, o que acaba fazendo-a tomar decisões inconsequentes, como tentar tirar a própria vida.
Adaptado da peça homônima escrita por Terence Rattigan em 1952, “Amor Profundo” explora um terreno já muito bem utilizado por cineastas recentes, chegando a cometer até os mesmos erros. Se de “As Horas”, Davies tira a intensidade de um desolador e sofrido universo feminino, de “Foi Apenas um Sonho” advém a ânsia por deixar o marasmo de uma vida ditada por regras e convenções. Do último último filme, ainda guarda a infeliz semelhança de dar atenção apenas aos conflitos, falhando em um desenvolvimento mais gradual de seus personagens e da relação entre eles. Por isso mesmo, tudo parece muito gratuito e imotivado.
O roteiro de Terence Davies não consegue fazer de Hester uma personagem tão profunda quanto a direção do filme sugere. Seus atos, enfim, são superados por suas divagações e momentos de introspecção. Se apenas o amor e o carinho que sente pelo antes amante e agora companheiro, assim como o sentimento desse por ela, ganhasse atenção, a trama soaria mais convincente. Não há nem mesmo uma universalização e contextualização adequada da condição de Hester, apesar de momentos como o plano final e da bonita cena em que os londrinos apenas sentem, literalmente, dentro de uma estação de metrô, os efeitos da guerra.
Felizmente, os atores retratam o sofrimento com competência. Rachel Weisz, em performance impressionante, dá a Hester uma vulnerabilidade que transborda. Sua instabilidade pode ser sentida por sua voz pouco convicta e até por sua maneira insegura de tragar um cigarro. Tom Hiddleston até que faz bastante por um personagem que não passa de um arquétipo de um herói de guerra que não se cansa de se gabar de seus feitos. Já Simon Russel Beale transforma William Collyer em um aristocrata de coração, que se não entende, pelo menos aceita as decisões tomadas pela esposa.
O trio é valorizado por uma direção bastante plástica, de planos minuciosamente pensados e executados. Os dez minutos iniciais, então, são de tirar o fôlego. Com uma fotografia granulada que transforma as imagens em verdadeiros delírios de tão belos, Davies moderniza sua história clássica, característica enfatizada pela sempre presente trilha sonora composta por Samuel Barber. Por meio de seu trabalho, corpos femininos e masculinos se confundem, a fumaça do cigarro ganha o charme de um filme noir e a passagem do trem metaforiza com o tempo.
A montagem incerta, recheada de flashbacks, quando toda a trama não passa de um grande e doído dia, traz um diferencial maior ao filme, tornando ainda mais confundível com o onírico. Impressiona como a história não perde o fôlego e jamais cansa visualmente. No entanto, quando despimos a narrativa de toda essa pomposidade, não sobra muito. “Amor Profundo” se revela mais raso do que parece, soando muito mais como um filme fetiche sobre o sofrimento. Pelo menos, as lamentações, discussões e choros compõem uma beleza singular.