Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 21 de abril de 2013

Hoje (2011): o encontro do passado com o presente

A diretora Tata Amaral acerta em um longa que mostra os fantasmas de quem sofreu com a ditadura militar.

HojeposterRodado quase exclusivamente em um apartamento em São Paulo, “Hoje” impressiona com a sua simplicidade ao contar a história dramática de uma mulher que, em sua juventude, sofreu com a opressão da ditadura militar. O filme acompanha Vera (Denise Fraga), uma ex- militante política que recebe uma boa indenização do governo brasileiro pelo sofrimento vivido na ditadura.

Com o dinheiro, ela compra um apartamento e pretende renovar sua vida, agora oficialmente reconhecida como viúva de um também militante que desapareceu na época da opressão. Ela só não planejava receber a visita do marido anos depois, desencadeando um acerto de contas com o seu passado.

Dirigido por Tata Amaral e roteirizado por Jean-Claude Bernardet, o longa conta com vários jogos de enquadramento e dinamismo para imergir o espectador em um cenário que não é só uma residência, mas um ambiente de encontro entre épocas e situações mal resolvidas. O uso da trilha sonora instrumental é denso, participando da construção narrativa. A diretora também evita o uso de flashbacks para deixar a história ser contada pelos próprios personagens.

Ao longo do filme, o espectador é apresentado a Vera como uma mulher comum, mas que esconde uma tristeza nítida enquanto vai arrumando suas coisas no novo apartamento. O encontro com o seu marido, o uruguaio Luiz (César Trancoso), dificulta a arrumação da casa e objetos escondidos vão sendo revelados, como se a mudança fosse também uma limpeza de vida. A presença do marido torna difícil se sentir confortável no novo local, mesmo porque Vera não quer que Luiz seja visto pelos dois homens que estão ajudando na mudança.

Denise Fraga, mais conhecida por seus papéis cômicos, mostra sua versatilidade nessa personagem, que não é tão carismática, mas que desperta no espectador uma curiosidade sobre os segredos de sua vida. Cesar Troncoso prova que é um dos grandes nomes da dramaturgia latino-americana, contribuindo muito com a qualidade do filme de Tata Amaral. A interação entre eles é tão boa que, em muitas cenas, somente com a troca de olhares e gestos é possível perceber nitidamente todo o sentimento que os envolve.

O desfecho é previsível e, ao mesmo tempo, profundo, com a autodescoberta de Vera e sua superação e amor pela nova vida. Vencedor do Festival de Brasília do ano passado, onde somou seis prêmios, “Hoje” mostra que o mínimo muitas vezes é suficiente para a construção de uma história envolvente e que faz o espectador refletir sobre conflitos e amadurecimento.

Adriana Cruz
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