Andrew Niccol escreve e dirige ficção padrão B com aliens, resistência humana e, claro, triângulo amoroso, como não poderia ser diferente em filme baseado em livro da autora da saga "Crepúsculo".
Stephenie Meyer não deve ser uma boa escritora, para dizer o mínimo. Mesmo para quem nunca leu uma página de seus livros, é perceptível a falta de rebuscamento, originalidade e, por que não, de noção em suas histórias, tornadas ainda mais públicas por meio da adaptação da “saga” “Crepúsculo” para os cinemas. Com “A Hospedeira”, a sensação não é diferente, com exceção da segunda falta de qualidade citada. Com uma trama pretensiosa e com algum potencial, o que vemos, porém, é uma ficção mal concebida que resulta em um filme vergonhoso, de sua concepção artística a suas atuações. Nem mesmo Andrew Niccol, diretor do ótimo “Gattaca – Experiência Genética”, consegue fazer algo de bom pela produção.
Como cenário dessa trama temos a Terra, mas agora um planeta pacífico, dominado pelos alienígenas, que ocupam corpos humanos como verdadeiros parasitas. São poucos os que ainda resistem ao controle extraterrestre. Entre eles está Melanie Stryder (Saoirse Ronan), mas por pouco tempo. Ela, logo, é capturada, passando a ser dominada pelas vontades de Peregrina, a chamada “alma” que foi introduzida em seu corpo. Suas memórias são, então, vasculhadas na busca por pistas da localização de outros resistentes. A consciência ainda presente de Stryder, no entanto, atrapalha os desejos iniciais de Peregrina, os quais logo são modificados na tentativa de salvar os familiares da garota.
Dando uma boa primeira impressão, especialmente pela ideia original do universo que apresenta, onde os alienígenas não são seres maléficos e o mundo vive em um estado de estabilidade jamais antes visto, “A Hospedeira”, no entanto, não sustenta a realidade que defende nem por uma dezena de minutos. Com cenários futuristas que apostam na brega onipresença do branco, das paredes às roupas dos personagens, diálogos extremamente simplistas e um embate psicológico medonho (sim, temos de acompanhar Peregrina falar com sua própria consciência durante as duas horas de duração), o filme logo mostra-se uma produção de qualidade B. E o pior: sem o sarcasmo que caracteriza obras dessa categoria.
Escrito e dirigido por Andrew Niccol, que conta com o aval da também produtora Stephenie Meyer, o longa sustenta-se graças a sua falta de previsibilidade e ao bom desempenho de Saoirse Ronan, em mais uma escolha duvidosa para seu breve currículo. É ela quem dá alguma credibilidade a um personagem tão mal construído, que nem os convencionais flashbacks ajudam a descrever melhor. E para os que sobrevivem à primeira meia hora e compram essa ideia (o que exige bastante esforço) recheada de carros metalizados e bate-papos consigo mesmo, é minimamente interessante ver o confronto ético que Peregrina passa a enfrentar: entre a missão que precisa cumprir e o respeito que possui pelas vontades da dona do corpo que ocupa.
Sem jamais problematizar a questão, o roteiro ainda tem seus melhores momentos quando a personagem principal é capturada pelos resistentes humanos, dando início a um processo de ganho de confiança, que é gradual e conta com a participação de William Hurt, na melhor performance do filme. A história, porém, se perde completamente à medida que um triângulo amoroso vai ganhando mais atenção do que merece, trazendo associações imediatas e infelizes com a franquia protagonizada por Bella e Edward. Demasiadamente preocupado com seu público alvo, o filme esquece seu próposito principal em prol de beijos adolescentes e paixonites sem hora.
Com isso, a relação da garota com o irmão mais novo, que deveria estar no centro da história, fica de lado, o que uma bela cena em que ambos apreciam a beleza dos vaga-lumes demonstra ser um erro. A falta de motivos para as atitudes vilanescas da Buscadora interpretada por Diane Kruger, à caça dos humanos e de sua isca alienígena, resultando em sequências sem qualquer ritmo, também descredenciam a história. O mesmo pode-se dizer da falta de cuidados em retratar a nova realidade existente, resumida a ruas limpas, prédios espelhados e supermercados públicos, em que os humanos realizam saques e fingem-se de aliens com simples óculos escuros, usados até durante a noite.
Entregue a um texto original problemático, Andrew Niccol também não faz muito a favor de “A Hospedeira”. Parece refém de uma história sem clímax (não há qualquer momento de real empolgação ou emoção na trama), que parece pisar em terrenos jamais explorados, especialmente quando o solo desse gênero cinematográfico é cheio de imperfeições. Dá até a impressão de ter boas intenções, mas a vontade de Stephenie Meyer em satisfazer os românticos e iludidos teens dos dias de hoje está acima de tudo. Soando, por diversas vezes, como um trabalho realizado por amadores, o filme confirma que o problema da franquia “Crepúsculo” era bem maior do que a falta de expressividade de Kristen Stewart e Robert Pattinson.