Nova adaptação do romance russo enriquece o conteúdo por meio da forma.
“Anna Karenina” é o título de uma das obras-primas do escritor russo Liev Tolstói, o mesmo autor do clássico “Guerra e Paz”. Publicado entre 1875 e 1877, o romance conta a história da personagem título, interpretada no filme por Keira Knightley, uma aristocrata que viaja com o esposo, o Conde Alexei Karenin (Jude Law), de São Petersburgo a Moscou a fim de salvar o casamento de seu irmão, o Príncipe Oblonsky, vivido por Matthew Macfadyen. Durante sua estada na cidade, Karenina conhece o Conde Vronsky (Aaron Taylor-Johnson), um jovem conquistador que se apaixona pela aristocrata instantaneamente, dando início a um triângulo amoroso intenso e sofrido.
Paralelamente, há o arco do personagem Levin, um agricultor apaixonado pela jovem Kitty (Alicia Vikander), irmã da cunhada de Anna Karenina, Dolly (Kelly Macdonald). Após ela ter recusado seu pedido de casamento, o jovem retorna à sua terra em uma jornada de redescoberta pessoal e social – “Kitty é do céu, e eu sou da terra”, lamenta. Esta subtrama é mais interessante do que a principal e rende alguns dos melhores momentos do filme, mas ainda fica em segundo plano por motivos narrativos óbvios.
O romance de Tolstói já foi adaptado inúmeras vezes para o cinema e para a televisão. O diretor Joe Wright – famoso por adaptar outro romance de época, “Orgulho e Preconceito” –, ciente de que não valia a pena somente recontar a mesma história, utilizou-se brilhantemente de uma abordagem experimental para dar corpo à obra, sendo este seu principal atrativo. O longa é quase inteiramente filmado dentro de um teatro construído nos estúdios Shepperton, na Inglaterra.
Ao mesmo tempo em que oferece uma novidade ao público, Wright enriquece o enredo permeando-o com uma crítica à aristocracia russa, onde as aparências e o artificialismo ditavam as personalidades, e toda a vida social era uma grande e articulada encenação – o que também dialoga com temas da nossa época. Esta intenção é confirmada quando percebemos que as únicas cenas que são filmadas em locações reais são as que envolvem Levin em sua terra, como se o personagem fosse o único a enxergar o mundo verdadeiramente, livre de todas as futilidades da alta sociedade e com todas as dificuldades da vida dos trabalhadores rurais.
Neste sentido, o design de produção de Sarah Greenwood foi merecidamente indicado ao Oscar. A elaboração de soluções criativas para criar a ilusão de realidade, mesmo quando as transições entre as cenas são feitas durante a própria cena e, portanto, frente aos olhos do público, valorizam a linguagem teatral. O desempenho deste conceito poderia facilmente cair nas próprias armadilhas se não fosse o admirável trabalho conjunto com a montagem de Melanie Oliver e a fotografia de Seamus McGarvey.
Oliver é precisa nos cortes para evitar a completa teatralidade e ao mesmo tempo faz questão de demonstrar que tudo ocorre em um único local. Já McGarvey está preocupado em resguardar a narrativa, com planos fechados que incentivem a inserção do público na realidade do filme e planos abertos com profundidade tal que nos faz questionar que tenham sido realmente filmados em um ambiente fechado e relativamente pequeno. Tom Stoppard também parece se divertir com as possibilidades que esta abordagem lhe dá no roteiro, aproveitando personagens e deixas no diálogo para mesclar cenas de forma inusitada e divertida, principalmente durante o primeiro ato.
A sempre expressiva Knightley, já acostumada a viver personagens sofridas – vide sua personagem histérica em “Um Método Perigoso”, por exemplo –, tira Anna Karenina de letra. A atriz consegue gerar empatia no público mesmo quando apresenta comportamentos ou ideias moralmente questionáveis ou contraditórios. Jude Law também merece destaque pela rigidez que o personagem exige, sabendo lidar com momentos de maior teor emocional de forma sóbria, expondo sentimentos de raiva ou tristeza sem técnicas convencionais de atuação e muito menos artifícios apelativos.
Longe de ser um melodrama barato, para o qual o próprio enredo já se inclina de forma geral, “Anna Karenina” sabe ser bem humorado ou mesmo contemplativo quando necessário. O longa não é simplesmente um teatro filmado, é uma elaborada integração entre duas linguagens artísticas que serve de exemplo para obras posteriores.