Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 10 de março de 2013

A Parte dos Anjos (2012): Ken Loach em retrato carismático do Reino Unido

Seguindo a linha de “À Procura de Eric”, de 2009, diretor inglês entrega filme em que a comédia se sobrepõe ao drama, destoando de sua filmografia, fazendo de seu país um lugar de algumas possibilidades, quando bem aproveitadas.

A Parte dos AnjosConhecido por suas críticas políticas e sociais ferrenhas  ao Reino Unido, Ken Loach parece estar abrandando suas temáticas e consequentemente criando uma filmografia mais heterogênea e interessante. “À Procura de Eric”, em 2009, já dava sinais de que seu realismo, de alguns improvisos e recheado de não-atores, poderia ser usado em longas mais leves, de um tom cômico mais explícito. Neste “A Parte dos Anjos”, vencedor do prêmio do júri no Festival de Cannes ano passado, a comédia ganha ainda mais espaço, representada por personagens e situações que jamais desrespeitam a visão e o estilo de Loach, mas mostram um lado do cineasta que é extremamente carismático.

A história se passa em sua maioria na violenta cidade escocesa de Glasgow, e o personagem principal, Robbie (Paul Brannigan), é um desses jovens que ajuda a manter a fama citada do local. Preso por ter surrado com requintes de crueldade um rapaz de sua idade, ele, porém, é apenas condenado a cumprir serviços comunitários. É uma oportunidade de ver seu primeiro filho nascer e, assim, reescrever sua história de vida. E essa nova chance fica ainda melhor ao lado de hilários companheiros de pena, que se tornam amigos do dia a dia e de viagens arriscadas que envolvem bastante uísque.

Em mais uma parceria com Paul Laverty, seu habitual roteirista, Ken Loach entrega uma história que permanece retratando seu principal objeto de estudo: a classe operária do Reino Unido. E eles continuam com dificuldades de se estabelecerem em seus empregos (ou até de conseguir um, principalmente quando ainda com pouca idade) e sustentarem suas famílias. No entanto, aqui não há tanto espaço para lamentações e choros por suas condições sofridas. Pelo contrário, sobram razões para gargalhar nessa jornada de alguns meses por terras conhecidas e desconhecidas da Escócia.

Laverty, porém, não faz de Robbie o motivo para risos. Esse permanece um rapaz em pleno e nem tão puro assim processo de amadurecimento. Em um tratamento convincente do personagem principal, o filme faz dele um jovem explosivo, mas que está aprendendo a conter suas emoções e pensar primeiramente na namorada e no filho recém-nascido. Tanto que foge de brigas e repreende outros por atitudes errôneas, enquanto beija o rosto do bebê com suavidade e aceita os conselhos de seu tutor Harry (John Henshaw). O amor dele por sua família e a vontade de fazê-la dar certo é o cerne que sustenta o longa e faz a trama, além de permiti-la, arriscar-se com situações e personagens divertidos.

E a principal razão para a diversão advém de Albert (Gary Maitland), um dos condenados companheiros de Robbie. Desde a primeira e hilária cena do filme, em que já temos uma ideia do tom leve que a história adotará, é ele, por trás de seus óculos “fundos de garrafa”, que faz o público sorrir. Sua falta de intelecto, para ser bem gentil com um homem que nunca ouviu falar em peças artísticas famosíssimas, ou de atenção, ao ponto de não saber qual é o dia da semana, faz dele um personagem de inocência única, sempre com colocações quase sempre desnecessárias para acrescentar.

Ao lado de ambos estão também Rhino (William Ruane, em mais uma parceria com Loach) e Mo (Jasmin Riggins), formando o quarteto principal de “ex-delinquentes”. Juntos, e com a ajuda de outros eventualmente, principalmente o responsável por todos, Harry, eles visitam destilarias, batem papos sem propósitos, se autoconvidam para palestras de degustação sobre uísque e fingem ser escoceses tradicionais ao vestirem kilts, mesmo com algum incômodo. Entre danações ou não, acompanhamos o belo nascimento de uma amizade, mas acima de tudo de uma experiência de vida que eles não esquecerão tão cedo.

A relação se torna ainda mais verossímil por Ken Loach jamais sair de sua tradicional realidade e por conseguir inserir, ainda que moderamente, sua crítica social. Não é por acaso que Robbie precise pensar em deixar a cidade para mudar de vida (se o juiz o “desculpa”, Glasgow parece não querer fazer o mesmo) e que precise buscar na ilegalidade uma oportunidade para adentrar a legalidade. O Reino Unido de “A Parte dos Anjos”, enfim, ainda não é das mais promissoras terras, mas dessas vez Loach, pelo menos, diverte-se e faz divertir, além de parecer esperançoso.

Darlano Didimo
@rapadura

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