Helen Hunt é terapeuta que aceita fazer sexo com homem virgem paralizado pela poliomielite
Em 2006, a colunista norte-americana Regina Brett escreveu “50 Lições de Vida” na qual diz, em um dos tópicos: “o órgão sexual mais importante é o cérebro”. Tal ode à inteligência que é, para muitos, um dos maiores afrodisíacos que existe, poderia se aplicar ao longa “As Sessões”, dirigido pelo polonês Ben Lewin, cuja filmografia se restringiu mais a séries e filmes para a TV. Aqui, ele se baseia no artigo “On Seeing a Sex Surrogate“, do jornalista e poeta Mark O’Brien (1949-1999). A vida de O’Brien já havia sido levada ao cinema no documentário curta-metragem “Breathing Lessons: The Life and Work of Mark O’Brien“, que levou o Oscar na categoria em 1996. No artigo, Mark que, ao contrair poliomielite aos seis anos de idade ficou paralisado do pescoço pra baixo, conta a experiência com Cheryl Cohen-Greene, uma terapeuta sexual que se dedicou a realizar seu sonho: perder a virgindade.
Dirigido com sensibilidade por Lewin, acompanhamos a vida limitada fisicamente de Mark (John Hawkes, indicado ao Oscar em 2011 por “Inverno da Alma“). Porém, mesmo com as dificuldades de toda uma vida, conseguiu formar-se na universidade nos anos 70 e escreveu diversos artigos, poesias e uma autobiografia, além de lutar pelos direitos dos portadores de necessidades especiais, como a participação na fundação de uma editora especializada na publicação de obras de pessoas com deficiência. Mas, em “As Sessões”, o foco é outro período da vida de Mark. Com um corpo que, apesar de imóvel, não perdeu a sensibilidade, ele tem um insight ao ser convocado para entrevistas pessoas que, mesmo deficientes físicas, possuem uma vida sexual ativa.
A partir daí, procura uma terapeuta sexual que possa lhe proporcionar a experiência que nunca teve (nem mesmo por meio de masturbação). Surge, então, Cheryl (Helen Hunt) que vai, em um número limitado de sessões, para a cama com o paciente. A polêmica profissão que ela, inclusive, enfatiza não tratar-se de prostituição, dará prazer a um homem sufocado pela própria natureza sexual. Casada e mãe de um filho, Cheryl, então, passa a dividir a cama com Mark e, em doses homeopáticas, começa o tratamento. De carícias que a fazem descobrir o corpo dele (e, a partir daí, o corpo dela), os dois passam pelas preliminares até, finalmente, tentar desembocar no objetivo final, que é a penetração em si.
Religioso, Mark pede a permissão do responsável pela igreja que frequenta, o padre Brendan (William H. Macy) que, apesar de liberal, por um momento reluta a decisão. Afinal, pelos dogmas do Catolicismo, o sexo antes do casamento é considerado pecado. Porém, o religioso cede e logo se torna confidente de Mark que, a cada sessão, revela em detalhes a rotina sexual com a terapeuta. Entre momentos cômicos que mostram, inclusive, o padre interessado no assunto (justamente por suprir o ato sexual não concretizado pela castidade de sua fé), a relação entre os dois mistura amizade, respeito e fé.
Com uma vida levada em uma maca e contando com a ajuda de seus cuidadores, Vera (Moon Bloodgood) e Rod (W. Earl Brown), Mark faz tudo que sua condição permite. Sai para fazer compras, tomar café, escreve, lê e, ao invés de entregar-se à autopiedade, decide viver o que pode dentro de suas limitações. Romântico inveterado, faz do seu cérebro o órgão sexual citado por Regina Brett no começo deste texto, em que flerta com as mulheres e, mesmo conquistando todas elas, sofre com a solidão que o peso de sua condição física lhe traz. É o caso de uma de suas ex-cuidadoras, a bela Amanda (Annika Marks), que o abandona após a revelação de que ele sente-se atraído por ela.
Porém, com uma sensibilidade que cativa Cheryl durante as sessões, a terapeuta vai ver que, apesar de sua relutância em um envolvimento pessoal, será difícil ficar indiferente ao doce e bem humorado Mark. Narrado pelo personagem, “As Sessões” nos dá uma visão de sua capacidade intelectual e de enxergar o mundo à sua volta, seja questionando Deus (“Ele me criou à sua estranha imagem e semelhança”), seja na relação de respeito com os que o rodeiam, em que não quer ser olhado com pena nem com asco. E é isso que encontra em Cheryl, que vê além da superfície (o que a difere da maioria das pessoas).
Assim, “As Sessões”, prima pela delicadeza, mesmo ousando ao falar de sexo sem pudores. Isso se vale do roteiro correto (escrito pelo próprio diretor) e de uma direção que expõe muito bem os pensamentos de Mark em sua narração e imaginação, mas peca pelos cortes secos de boa parte das cenas (e no fraquíssimo desenrolar do conflito familiar que o envolvimento com Mark causa na família de Cheryl). Assim, tal brutalidade no ritmo irregular impede que o decorrer dos fatos expostos se desenrole de forma natural em certos momentos e, para completar, quando as cenas fluem, ainda perdem alguns pontos com a trilha sonora que, embora bem trabalhada, é incessante e surge com o objetivo intrínseco de arrancar lágrimas. Mas o filme ainda fica no saldo por seu mérito de revelar o lado onírico de um homem de alma livre encarcerado no próprio corpo (lembrando o superior “Mar Adentro”, com Javier Bardem), especialmente na cena em que se imagina criança na praia e quando coloca em pensamento cenas agradáveis para segurar a ejaculação precoce, tão comum de alguém sem experiência.
O filme deve incomodar e chocar muitos espectadores, apesar de outro filme recente, o belga “Hasta la Vista – Venha Como Você É“, ter tocado na mesma temática, expondo três jovens portadores de necessidades especiais (um cego, um paraplégico e um tetraplégico) que decidem partir em uma viagem cujo objetivo final é perder a virgindade. Assim, “As Sessões” coloca um personagem com desejos e sexualidade como qualquer um de nós, mas intocada justamente por sua condição limitada, já que a essência humanaestá ali. Inclusive, dentre todos que o rodeiam, o único que enxerga a situação como algo risível é um recepcionista do motel em que acontece um dos encontros dele com Cheryl. É pouco entre tantos que poderiam enxergar a experiência com maus olhos, mas o suficiente para mostrar outros tantos cientes que a vida não perde seu valor diante de certos desvios da “normalidade”. Se perdesse, idosos, portadores de síndrome de Down e pessoas que se tornaram paraplégicas, tetraplégicas e amputadas no decorrer da vida – só para citar alguns – não teriam direito a uma vida sexual ativa? É um filme-chave para abrir a mente e despir-se do preconceito, realmente.
Mas, pra finalizar, “As Sessões” é um filme de atuações. John Hawkes, como Mark, atua o tempo todo deitado e expõe toda a candura e empatia de um homem encantador, um Don Juan que foge do convencional. Dos olhos doces ao carisma que não cai no piegas, está muito bem acompanhado de Helen Hunt. Com sua Cheryl, a vencedora do Oscar por “Melhor É Impossível“, à primeira vista, chama mais a atenção pelas plásticas mal-sucedidas no rosto do que pela atuação. Porém, basta ir além da aparência (olha a intertextualidade aí!) para perceber que sua personagem tem força, sinceridade e ousadia, elementos que renderam uma segunda indicação da atriz ao Oscar. Bem à vontade em sua nudez (inclusive frontal), a atriz, prestes a completar 50 anos, cria uma personagem corajosa e que funciona, seja na cena da primeira sessão dos dois – em que transparece o nervosismo insano dele, que é camuflado em uma naturalidade forçada dela -, seja no seu dilema do envolvimento com Mark.
Um filme audacioso para os padrões da ainda puritana/conservadora Hollywood, que agradou o Festival de Sundance (levou o Prêmio do Júri e o Prêmio do Público, ambos na categoria Drama). E, justamente por fugir do convencional, merece ser conferido.