Longa dinamarquês indicado ao Oscar retrata história real da monarquia no século 18.
Filmes de época sempre escondem escândalos que rodeavam os nobres de seu tempo. Por trás de toda a pompa social e do luxo exorbitante, a ganância, falsidade e traições se tornaram assuntos que atraíram os espectadores “plebeus” às salas de cinema. Um dos últimos exemplos a entrar para a galeria é “O Amante da Rainha”, longa dinamarquês dirigido pelo cineasta Nikolaj Arcel, mais conhecido como o roteirista de “Os Homens Que Não Amavam As Mulheres”. Grande sucesso de público e crítica, esse longa ainda deu origem a uma refilmagem norte-americana estrelada por Daniel Craig e Rooney Mara.
No filme, acompanhamos a história real da rainha Caroline Mathilde (Alicia ikander). Em 1766, ela conta por cartas aos filhos (que não a conhecem) a história de sua vida. Por meio de flashbacks, somos levados a 1759 quando, aos 15 anos, sai de Londres e é enviada à Dinamarca para se casar com o primo, o rei da Dinamarca, Christian VII (Mikkel Boe Følsgaard). O país, afundado em dívidas e com uma população na miséria, será um dos menores problemas da mais nova rainha.
Precisando abraçar uma nação que não era sua e diante de um casamento arranjado sem nenhum sinal de sentimento (Maria Antonieta que o diga), Caroline ainda precisa suportar a insanidade do marido, um rei perdido em seu próprio universo, que faz com que aja de maneira infantil e embaraçosa, beirando o escatológico. Porém, Caroline logo conquista a corte, especialmente sua dama de companhia Louise (Laura Bro) por conta de sua beleza, carisma e talento.
Após dar à luz a Frederik VI, a rainha sente seu tédio amenizado diante dos eventos tradicionais da monarquia, como inúmeras festas e jantares. A corte, porém, preocupada com o agravamento do estado de saúde do rei, convoca o médio provinciano alemão Johann Struensee (Mads Mikkelsen), um ateu de ideias liberais que logo ganha a total confiança do monarca. Auxiliando Christian a governar o país, Johann se torna uma peça-chave na condução dos assuntos políticos, o que não é visto com bons olhos pelos membros do Conselho Real.
De ideias iluministas (algo que não agradava em nada os nobres), Johann acaba se envolvendo com a rainha Caroline Mathilde, tornando o secreto caso amoroso uma grande pedra no sapato, tanto pela sua grande relação de amizade com o rei como por conta das consequências políticas que isso acarretaria no trono da Dinamarca.
Em um ambiente de humilhações e aprisionamento, Caroline encontra em Johann um conforto que lhe falta no marido, que expunha sem pudores sua rotina de humilhações e noites regadas a álcool e prostitutas (apesar de registros históricos apontarem Christian como um provável homossexual). Johann, enquanto isso, vai botando panos quentes no comportamento megalomaníaco e fazendo o que pode para favorecer respaldo sociopolítico ao povo por meio do poder monárquico, como cortes de gastos desnecessários (em uma época que se gastava em quatro meses o montante destinado a um ano) e, assim, direcioná-los aos súditos.
Diante de toda essa estratégia para colocar em prática a liberdade popular que defendem, Johann e Caroline ainda mantêm um fervoroso caso de amor dentro dos aposentos do palácio. Em doses homeopáticas, a dupla traição vai sendo mascarada pela corte, ávida pelo poder de dominar um rei incapaz de pensar por si só. E a Dinamarca, permeada por uma epidemia de varíola, o pavor de uma monarquia tirana que quer cortar pela raiz o ascendente Iluminismo (e a capacidade do homem de pensar por si só) e o influente poder da Igreja.
É curioso observar um filme como “O Amante da Rainha” sendo o longa indicado pela Dinamarca para representar o país no Oscar. Entre os cinco finalistas à estatueta, observar o lado negro da monarquia de uma nação ainda com a tradição real em sua atualidade é, ao mesmo tempo, uma forma de revisitar um passado cruel e celebra a liberdade diante das amarras que lhe fizeram ser hoje um dos países mais desenvolvidos da Europa.
Com todo o cuidado com detalhes necessários a um filme de época de qualidade, como trilha sonora marcante, além de direção de arte, figurino e fotografia bem cuidados, “O Amante da Rainha” traz, ainda, um roteiro bem amarrado e inteligente (vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim), adaptado a quatro mãos pelo diretor e Rasmus Heisterberg, baseado no romance “Princesa de Sangue”, de Bodil Steensen-Leth.
Diante de interpretações corretas de boa parte do elenco, o longa ganha na beleza e carisma de Alicia Vikander como a rainha infiel e perde no apático Mads Mikkelsen, como o amante Johann. Porém, o grande trunfo de “O Amante da Rainha” recai sobre Mikkel Boe Følsgaard como Christian VII. Laureado com o Urso de Prata por sua atuação, o ator oferece toda a força necessária de um personagem atormentado e de atitudes nada convencionais que tem nas mãos a responsabilidade de conduzir uma nação. E tudo isso sem cair no risível, lembrando em alguns momentos – e guardada as devidas proporções – o espevitado Mozart de Milos Forman em “Amadeus”, magistralmente interpretado por Tom Hulce.
O filme, infelizmente, não inova no formato, abusando de planos abertos e mostrando o lado obscuro da monarquia, mas aproxima o espectador da nobreza ao inserir diálogos de linguajar chulo, bem diferente das regras de etiqueta que predominam nos filmes do gênero. E ainda nos dá uma aula de História que, mesmo que não aprofundada em suas pouco mais de duas horas de projeção e com um epílogo previsível, oferece uma visão panorâmica de um país que saiu da miséria e abriu as portas ao desenvolvimento. Desenvolvimento este, ironicamente, favorecido por um caso de amor proibido.