Sem alma ou personalidade, essa tentativa de modernização dos filmes clássicos da era de ouro do crime organizado americano desperdiça um belo elenco e uma interessante história real em uma obra medíocre.
Era uma vez um diretor que, com um roteiro imaginativo e um orçamento apertado, brincou com todos os clichês de um gênero, tirou ótimas atuações de seu diversificado elenco e ganhou elogios do público e da crítica, isso tudo em seu longa de estreia. Depois de um segundo trabalho no cinema mais fraco, ele reuniu novamente um cast de estrelas e atacou outro gênero em baixa, mas desta vez se rendeu de vez aos clichês e se mostrou cada vez mais sem imaginação.
Esse conto de fadas acima ilustra muito bem o que aconteceu com o diretor Ruben Fleischer desde o divertidíssimo “Zumbilândia” até este medíocre “Caça aos Gângsteres”, que poderia ser considerado até mesmo um remake (ruim) do maravilhoso “Os Intocáveis” (1987). Escrito por Will Beal (da série de TV “Castle”, em seu primeiro trabalho para o cinema), o filme é baseado livremente em uma história real, contada pelo livro homônimo do jornalista Paul Lieberman e pela série de sete reportagens deste para o jornal Los Angeles Times.
Após a Segunda Guerra Mundial, em uma LA dominada pelo chefe da máfia Mickey Cohen (Sean Penn), o valente ex-militar e agora policial John O’Mara (Josh Brolin) é instruído pelo chefe de polícia (Nick Nolte) a montar um esquadrão sigiloso, dedicado a acabar com as operações de Cohen do jeito que fosse. Como seu braço direito, O’Mara tem o cínico mulherengo Jerry Wooters (Ryan Gosling), que está tendo um caso com Grace (Emma Stone), a atual “namoradinha” de Cohen.
O principal problema da produção é que Fleischer e Beal simplesmente não conseguiram encontrar o tom certo, se mostrando perdidos, sem saber se estilizam a trama ou se centram em fazer algo mais calcado no mundo real. Quem sofreu mais com essa indecisão foi o antagonista da fita. O Mickey Cohen de Sean Penn parece um boneco de algum supervilão, com o rosto do ator coberto de próteses e Penn entrega uma performance marcada por overacting que nem diverte e nem assusta, preso em um limbo nada instigante.
Enquanto isso, os “mocinhos” do Esquadrão são completamente unidimensionais e desinteressantes. Os únicos que demonstram alguns conflitos durante a narrativa são O’Mara e Wooters, mesmo assim envoltos em clichês. O primeiro lida com o medo da esposa grávida e o segundo com o seu perigoso romance com a garota do mafioso.
Desse modo, os ótimos Josh Brolin e Ryan Gosling restam desperdiçados em cena, com o segundo ainda tendo alguma vantagem por apresentar uma ótima química com Emma Stone (que surge brincando de femme fatale e só). Giovanni Ribisi até que tenta como o agente de inteligência do grupo (depois usado como recurso dramático barato), enquanto Robert Patrick, Michael Peña e Anthony Mackie ganham o cachê mais fácil de suas vidas, como membros quase que figurantes da equipe, definidos apenas por seus papéis dentro da equipe, com seus personagens apresentando zero de profundidade.
O roteiro de Beal peca no básico. Além do desenvolvimento dramático recheado de clichês batidos, as ações do Esquadrão são mal planejadas e pouco mostradas, com o público ficando sem saber muito bem como os ataques do grupo estão demolindo as operações de Cohen. Pouco se vê de interação aproveitável entre os membros da equipe, resultando em uma audiência que mal se importa com o bem-estar dos heróis ou mesmo com a “moralidade” das ações por eles empregadas.
Até mesmo as bastante gráficas cenas de ação deixam a desejar, com uma sequência automobilística confusa e mal montada se destacando negativamente. Sem poder lidar com qualquer efeito dramático por parte do roteiro, Fleischer apela para a memória afetiva do público, tentando em vão referenciar um tiroteio de “O Poderoso Chefão”, uma perseguição de “O Exterminador do Futuro 2” e a clássica cena da estação do já citado “Os Intocáveis”.
A direção de fotografia de Dion Beebe toma decisões estranhas, deixando os atores um tanto plastificados, piorando ainda mais a maquiagem de Sean Penn e deixando Nick Nolte (involuntariamente) ainda mais assustador. Um ponto positivo vai para a boa direção de arte e pelos ótimos figurinos, que recriam muito bem a LA da primeira metade do século passado.
“Caça aos Gângsteres” sofreu algumas refilmagens e cortes graças ao trágico tiroteio de 2012 em Aurora. Nunca saberemos o quanto o filme foi modificado por conta desse evento real, mas o resultado final da produção foi uma película superficial, medíocre e sem alma própria.
P.S.: As reportagens de Paul Lieberman para o jornal Los Angeles Times podem ser lidas em inglês no site do jornal e são realmente interessantes.