Michael Haneke reflete sobre a desgraça da morte e do amor.
Logo no começo de “Amor”, novo e já premiado filme de Michael Haneke (dos ótimos “A Fita Branca”, “Caché” e “A Professora de Piano”), acompanhamos os protagonistas assistindo a um concerto. A câmera não mostra o músico, foca apenas na grande plateia que admira a performance até os aplausos finais. Não que tenha sido intencional, mas essa cena fala bastante sobre o ato de assistir a este longa. Enquanto conta a história de “Amor”, Haneke insere seu público naquele espectro trágico e depressivo de seus personagens, como se fosse uma ópera, para apenas acordá-los ao final da projeção.
A trama é focada em Anne (Emmanuelle Riva, soberba) e Georges (Jean-Louis Trintignant, magnífico), um casal que já soma décadas de amor. Após um breakdown, Anne precisa passar por uma cirurgia que deixa sequelas. Ela está paralisada do lado direito do corpo e cabe ao marido cuidar de sua recuperação. Entretanto, o estado de saúde de Anne só se agrava e Georges precisar lidar com o desgaste da vida de ambos.
O roteiro, assinado pelo próprio Haneke, é sutil. Por tomar completamente a atenção do espectador, ele capta também a paciência em acompanhar detalhadamente o desmonte de Anne: da paralisia à incapacidade de se comunicar. Pelos olhos de Georges, vemos não uma obrigação em cuidar dela, mas o que falta em várias relações de hoje: fidelidade. O juramento “na saúde e na doença” se faz válido aqui, ainda que percebamos o desmonte também de Georges, mas de uma forma intimista. O roteiro valoriza a bondade e a paixão dele para com a esposa, mas pincela delicadamente o transtorno que ele vive, seja por meio do pesadelo no meio da noite ou das cenas silenciosas, ao acender um cigarro ou ao contemplar o horizonte.
Haneke confia no potencial dramático de seus atores, que rende cenas belíssimas, ainda que depressivas. O cuidado com o script é visível e quem já passou por algo semelhante reconhecerá a verossimilhança dos conflitos do longa. “Amor” não é melodramático, já que insiste em mostrar, todo tempo, que é um filme sobre amor, não sobre doença. Até mesmo quando chega ao clímax e precisa ser cruel com seus personagens, o longa ainda fala de amor, por mais estranho que possa parecer. Tanto que a sequência final homenageia Anne e Georges, aliviando sim a tragédia, mas sendo pura poesia.
A relação catastrófica incomoda em alguns momentos, seja pela não aceitação de Anne de sua condição, seja pela forma com que Georges lida com alguns conflitos, forçando um pouco o negativismo do longa. Não existe também grande beleza estética da narrativa, talvez por opção pensada de Haneke em não transformar o longa em algo visualmente impecável. A força está no roteiro e nas atuações. A trilha sonora delicada pontua as sequências essenciais para a imersão do espectador, principalmente porque revisita o passado dos protagonistas como professores de música.
“Amor” também conta com a sempre bela Isabelle Huppert, que teve um ano incrível ao lado de diretores de grande porte, como o próprio Haneke e Sang-soo Hong, em “In Another Country”. A montagem suaviza a longa duração, que poderia ter menos tempo, mas que tem um elenco tão magnético que é impossível perder o interesse. Ao final da sessão, ficam claras a paixão da crítica internacional pelo filme e a certeza de que deverá sair com um Oscar nas mãos.