Sem medos e com incrível sensibilidade, Stephen Chbosky transforma seu consagrado livro em um filme que entende a juventude como poucos.
Não deve ser fácil ver seu próprio e árduo trabalho artístico ser entregue (mesmo depois, claro, de alguma recompensa financeira) nas mãos de roteiristas e diretores desconhecidos para a realização de uma posterior adaptação cinematográfica. Os resultados negativos, principalmente em Hollywood, respondem porquê. Por isso, alguns corajosos autores ou criadores vêm optando por se autoadaptarem, por defenderem sua visão, seu conteúdo. E aparentemente o estão fazendo muito bem.
O quadrinista Frank Miller, por exemplo, desafiou linguagens e fez de “Sin City” (com uma elogiosa colaboração de Robert Rodriguez) uma visionária e sexy diversão. John Patrick Shenley transportou, com a mesma intensidade, a força do texto de sua premiada peça “Dúvida” para a tela grande, mesmo que seu trabalho como diretor decepcione. Já Stephen Chbosky faz melhor e transforma seu romance “As Vantagens de Ser Invisível” (baseado em suas próprias experiências de vida) num delicioso, tocante e romântico filme, que, como há muito não se fazia nos cinemas, retrata a verdadeira essência da juventude.
O principal adolescente desta história é Charlie (Logan Lerman), um rapaz tímido e introspectivo que está bastante preocupado com seus primeiros dias de aula como calouro na chamada High School. Os trotes e as humilhações são realmente inevitáveis, mas sua personalidade não impede que ele venha a conhecer os ‘seniors’ (alunos do último ano) Patrick (Ezra Miller) e sua meia-irmã Sam (Emma Watson), jovens, que assim como ele, são alheios à tão exaltada popularidade. A partir de então, ele dá início a um ano cheio de novas experiências e amizades, em que tem que encarar seus próprios traumas para aproveitá-las ao máximo enquanto ainda há tempo para tanto.
Justificando uma narração em off por meio de cartas escritas pelo protagonista para um correspondente desconhecido (que na verdade, é o próprio público), “As Vantagens de Ser Invisível” já inicia-se preocupado em apresentar Charlie, em mostrá-lo em sua essência. Em poucas cenas, o filme é eficiente em exibir sua solidão (ele mantém um distanciamento até dos pais), sua inteligência e seu puro desejo de conhecer novas pessoas. Jamais tratando-o como um “coitado”, Stephen Chbosky faz de seu alterego um rapaz por quem nos afeiçoamos com extrema facilidade.
Charlie pode até ficar calado ao ser questionado pelo professor, mesmo sabendo a resposta. Mas assim que encontra seu espaço, ele apropria-se dele com sua usual sabedoria, permitindo-se divertir com as novas companhias e até mentir para os pais sobre o que fez durante a noite. E não pense que Chbosky retrata seus amigos como caricatos nerds impopulares. Patrick, Sam, Mary Elizabeth (Mae Whitman), Alice (Erin Wilhelmi), entre outros, são “normais” como quaisquer outros jovens. Eles bebem, beijam, arrependem-se e até usam drogas de maneira moderada. A única diferença está na sensibilidade desses meninos e meninas, que possuem um gosto musical estupendo, bem como uma certa independência dos pais. Eles sabem o que estão fazendo. Eles sabem que estão vivendo a época da vida deles.
Em seu desejo de fazer um retrato da juventude, Chbosky entrega um filme que une como poucos o drama e a comédia. A harmonia entre esses dois gêneros está em cada cena, em cada momento de diversão e introspecção de seus personagens. Se suas conversas parecem demasiadamente adultas, uma brincadeira logo depois entrega suas idades. A direção de Chbosky, porém, deixa para o roteiro o tom brincalhão e opta por um ritmo cadenciado que valoriza o silêncio e as sensações experenciadas. “As Vantagens de Ser Invisível” é um longa de um enorme coração, daqueles que pulsam para além da sala escura.
Como não se emocionar na cena do túnel? Como não ficar envergonhado quando Charlie “vacila” no jogo da verdade ou desafio? Como não sorrir quando ele beija pela primeira vez? Mais parecendo um cineasta de uma enorme filmografia, Stephen Chbosky tem total segurança sobre o que deve exibir e como deve fazê-lo. Não há atropelos nesta história de quase um ano de duração. Os personagens coadjuvantes são poucos e muitos bem defendidos, sem qualquer estereótipo. E o que dizer do lindo romance vivido entre Charlie e Sam?
Se há um grande trunfo neste filme, esse é a linda história de amor inocente sentida e pouco compartilhada entre esses dois personagens. E ela funciona em decorrência de um roteiro bem escrito que aprofunda a personalidade de Charlie e faz de Sam uma garota mais do que adorável, bem como de interpretações delicadas por parte dos dois atores. Logan Lerman contribui com o carisma e sobriedade que já o havia feito se sobressair no péssimo “Percy Jackson e o Ladrão de Raios”. Já Emma Watson vem com a beleza e simpatia que Chbosky ressalta desde a primeira tomada da atriz.
A química, porém, não acontece apenas entre o casal. Ezra Miller complementa esse trio inseparável com provocações, confissões e descontrações. É dele o personagem mais trágico e mais adulto. Mae Whitman acrescenta um humor discreto que encontra razão para graça na hilária rotina de um namoro não correspondido ainda em seu início. Paul Rudd também faz uma essencial participação como o professor de literatura de Charlie, Mr. Anderson, alguém que contribui para o amadurecimento pessoal e profissional de seu aluno, assim como para diversas referências deixadas pelo roteiro (reparem nos livros cedidos pelo professor para o rapaz).
Tecnicamente, “As Vantagens de Ser Invisível” ainda conta com uma linda trilha sonora que ajuda a situar essa trama no tempo, os anos 80. De David Bowie a Dexys Midnight Runners, de New Order a The Smiths, Chbosky faz das músicas hinos da juventude, mas não apenas de moças e rapazes de trinta anos atrás. Elas servem para todo e qualquer jovem, todo e qualquer Charlie por ai, que precisam saber que estão vivendo a melhor época da vida deles. E isso é nada menos do que a certificação de um belíssimo filme que fala do jovem como ele merece ser falado.