Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 17 de novembro de 2012

Era uma Vez Eu, Verônica (2012): drama existencialista é destaque nacional

Hermila Guedes explora sensualidade e carga dramática em filme sobre conflitos pessoais.

Verônica concluiu o curso de Medicina e agora é residente de psiquiatria em um hospital de Recife. Ela mora com o pai (W. J. Solha) e mantém um caso com Gustavo (João Miguel), que é apaixonado por ela. Com uma vida aparentemente promissora, o choque das reais transformações pessoais aparece. Ao mesmo tempo em que escuta os problemas de seus pacientes e tenta solucioná-los, Verônica se torna sua própria paciente, questionando suas insatisfações e inquietudes perante as incertezas do destino.

O diretor Marcelo Gomes, do ótimo “Cinema, Aspirinas e Urubus”, transborda maturidade narrativa e colabora para a descentralização da produção audiovisual ao destacar o potencial do cinema pernambucano no circuito. O cineasta elabora uma trama soberba, em que o conflito existencialista bate diretamente com a reafirmação feminina, com o pudor (ou a falta dele) servindo como válvula de escape para a resolução momentânea dos problemas da protagonista.

O público acompanha a rotina de Verônica no hospital, junto àqueles personagens banais e desesperados. Um garoto paralisado, um homem descrente do tratamento e uma mulher à beira da depressão fazem parte daquele cenário particular, mazelas de uma sociedade que não dá chance para todos. Em paralelo, Verônica registra seus próprios conflitos em um gravador, questionando a insatisfação profissional, familiar e amorosa.

Não há uma trama exageradamente “cabeça” que transforme o longa em uma obra prima. O que existe é uma atriz que se despe, literal e figuradamente, diante das câmeras, tratando com naturalidade e densidade os problemas banais de uma mulher e que gera, em algum momento, uma identificação por parte de quem assiste. Verônica canaliza suas dúvidas no sexo, nas constantes visitas ao mar, em uma bela simbologia, e nos encontros com as amigas. É como se ela se desligasse da realidade, por mais que seja momentâneo.

O roteiro abusa do potencial dramático de Hermila Guedes, uma das atrizes mais talentosas da atualidade. Ela encarna essa moça conturbada, vítima das transformações sociais e psicológicas, de um padrão questionável. Verônica precisa crescer, como todo mundo, mas a maturidade não vem apenas com a idade. É preciso que ela passe por etapas para se encontrar como ser humano. A ansiedade e o impulso do agora que caracterizam os jovens tornam Verônica uma personagem palpável, cujos questionamentos são universais, estando aí a preciosidade do longa.

Ao lado da atuação impecável de Hermila, que chega a carregar o filme sozinha, com sua beleza e atrevimento, ainda destacam-se W. J. Solha, como o deprimido pai de Verônica, que vive a solidão meio a seus discos, bebidas e inadequação do mundo novo; e João Miguel, que aflora o lado sexual da protagonista, ao mesmo tempo em que nutre uma paixão por ela. Aliás, as cenas de nudez e sexo perdem a vulgaridade ao se mostrarem necessárias para a crueza da história.

A narração ganha vida com a montagem bem trabalhada, sem nunca parecer repetitiva ou exageradamente melodramática. É preciso cuidado ao se utilizar do recurso, para que não cause conflito entre conteúdo imagético e sonoro. Marcelo Gomes sabe onde se arrisca e assina o bom uso do recurso narrativo, fazendo com que Verônica se perca no mar que ela tanto boia, em busca de refúgio, ou no próprio sexo que canaliza suas tensões em doses homeopáticas. A trilha sonora, sempre marcante e delicada, pontua os principais questionamentos de Verônica, seja com os acordes instrumentais ou com a voz doce de Karina Buhr.

Vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e do Amazonas Film Festival, em 2012, “Era uma Vez Eu, Verônica” é um filme de entrega tanto por parte de seus realizadores, que demonstram o talento brasileiro em contar boas histórias, quanto do próprio público, que se conecta com o existencialismo da personagem. Uma obra exemplar da nossa produção audiovisual que merece ser degustada aos poucos.

Esse filme fez parte da programação do 9º Amazonas Film Festival, em novembro de 2012.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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