Entre monstros e homenagens ao cinema de horror de outrora, é a história da amizade entre um menino e seu cachorrinho que marca esta produção.
Era uma vez, um garoto considerado por outros como “estranho”. Sem muitos amigos, ele via em seu cachorro e em sua câmera Super 8 suas grandes fontes de alegria, adorando fazer pequenos curtas de terror com os dois. Um dia, seu companheiro canino morreu e o menino teve de lidar com um sentimento de perda que ele outrora desconhecia.
A historinha acima pode tanto se referir ao diretor Tim Burton quanto ao protagonista de seu novo trabalho, a animação em stop-motion “Frankenweenie”. A diferença é que, enquanto Burton canalizou sua perda para o cinema, sua versão infantil do célebre Victor Frankenstein, que protagoniza este novo trabalho do realizador, busca na ciência um meio de lidar com o luto, revivendo através dela seu amado cãozinho.
Assim como o personagem-título do clássico livro de Mary Shelley, Burton e o roteirista John August (que trabalhou em cima de um curta concebido pelo próprio diretor nos anos 1980), montam um roteiro usando pedaços de várias outras obras, notadamente aquelas estreladas pelos monstros clássicos da Universal e pelas criaturas gigantes dos filmes sci-fi japoneses.
Portanto, a animação em stop-motion é abarrotada de referências ao mundo do terror vintage, que funcionam como belas homenagens aos filmes que construíram a visão de Burton como profissional do cinema. De um modo ou de outro, existem na projeção pequenos vislumbres não só de vampiros, lobisomens, múmias e criaturas do lago negro, mas também de figuras como Boris Karloff e Christopher Lee, de modo que não só apenas os monstros são lembrados, mas também os profissionais que os eternizaram na telona, com tais referências sendo narrativas ou visuais.
Esses elos com o passado não estão lá por simples conveniência ou preguiça (como no recente “Hotel Transilvânia”), com tais elementos ganhando coesão graças à história central, quase que autobiográfica, que está sendo contada pelo cineasta, tornando este segundo longa animado de Burton sua obra mais pessoal, com Victor servindo como seu alter-ego dentro da trama.
O diretor sabe que, para o público em geral, não importa ver o Drácula de Christopher Lee surgindo em uma televisão ou um famoso kaiju causando o caos na cidade. Por isso, o coração do filme é algo com que qualquer um pode se identificar: a relação de um menino solitário e seu cachorro.
Não é surpresa, portanto, que os melhores momentos da produção também sejam os mais simples, justamente aqueles que enfocam a amizade entre Victor e Sparky, principalmente porque os dois são sempre enfocados com um carinho tão palpável que se torna quase impossível não se apaixonar pela dupla.
Também é interessante notar que Burton e August não colocam um antagonista físico na história. Claro, existem os monstros que acabam por invadir a pequena cidade de New Holland, mas eles são meras manifestações dos verdadeiros vilões da história, a ignorância e a ganância, sendo justamente eles as monstruosidades que levam diretamente ao clímax da história no moinho em chamas da cidade.
No decorrer da trama, Victor aprende que não existe ciência boa ou ruim, mas que a tecnologia pode ser pervertida por aqueles que desejam mal-uso dela e negada por aqueles que querem permanecer ignorantes. Nisso, o longa transmite para o público – especialmente para os pequenos – uma mensagem que muitos até hoje se recusam a entender.
O visual da animação proporciona um mergulho dentro da própria estética do diretor, com uma fotografia em preto-e-branco que casa perfeitamente com o design dos personagens, relativamente distorcidos e com olhos imensos, com o diretor e o cinematógrafo Peter Sorg sendo influenciados diretamente pelo expressionismo alemão que marcou filmes como “O Gabinete do Dr. Caligari” e “Nosferatu”. Já o 3D do filme não é dos mais marcantes, só mostrando ao que veio em um punhado de tomadas, longe de ser necessário para a história, embora seja o mote de uma rápida e eficiente gag no inicio da projeção.
Na trilha sonora, Burton volta a trabalhar com Danny Elfman, que, em suas composições para a película, utiliza muito o theremim, instrumento-base da trilha de vários filmes de terror dos anos 1950, fazendo isso justamente para reforçar a sensação de nostalgia que a obra deseja transmitir.
“Frankenweenie” possui seus problemas de ritmo em sua segunda metade e sua conclusão pode ser um tanto quanto artificial, mas não deixa de ser um filme deveras divertido e até mesmo tocante, além de uma oportunidade (hoje em dia, rara) de ver Tim Burton colocando seu coração à mostra em uma de suas obras.