Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 04 de novembro de 2012

Possessão (2012): terror padronizado não oferece grandes surpresas

A falta de ousadia em troca de drama familiar superficial resulta em obra mediana.

Filmes de possessão demoníaca geralmente seguem a mesma lógica de desenvolvimento, tornando a trama genérica e superficial. Com “Possessão” não é muito diferente, e a própria falta de criatividade do título já revela isso. Apesar dos esforços do produtor Sam Raimi em imprimir seu estilo trash em cenas específicas, a direção do dinamarquês Ole Bornedal não se arrisca muito neste sentido.

O longa conta a história de uma família que tenta se acostumar com a recente separação do casal Clyde e Stephanie, interpretados por Jeffrey Dean Morgan e Kyra Sedgwik. Ela já tem um novo namorado, o dentista Brett (Grant Show), que a visita com frequência, substituindo rápida e progressivamente o lugar do pai na casa. Clyde tem no emprego como treinador de um time de basquete juvenil seu principal foco e válvula de escape, uma vez que parece ainda não ter superado o divórcio totalmente.

As filhas pré-adolescentes do ex-casal dividem a moradia entre as casas dos pais. Hannah (Madison Davenport), a mais velha, lida melhor com a separação deles, enquanto a caçula Emily (Natasha Calis) ainda guarda a esperança de vê-los juntos novamente.

Eis que algo conturba a vida pacata dos personagens quando Emily encontra uma misteriosa caixa que está à venda junto com outros móveis e objetos de uma casa. O pai compra a caixa para a filha sem ter ideia do que está trazendo para sua família. A partir daí, estranhos eventos começam a ocorrer envolvendo Emily, cujo comportamento muda gradualmente para pior.

A dinâmica familiar é introduzida sem didatismos, com leveza e paciência por Bornedal, que tem no primeiro ato o melhor a oferecer. Os planos gerais que contextualizam o local onde as cenas ocorrem são sempre feitos de cima para baixo, como se houvesse algo ou alguém observando aqueles personagens, gerando um clima sutil de expectativa e tensão que funcionam bem. A fotografia de Dan Lustsen constrói uma perspectiva inteligente com estes planos, pois as locações vistas de cima se assemelham a uma caixa, insinuando que o objeto, enquanto ameaça, é bem maior do que sua dimensão física.

A atmosfera misteriosa da primeira metade do filme também é favorecida pela montagem de Eric L. Beason e Anders Villadsen, que utilizam uma técnica simples que muda toda a percepção narrativa. Algumas sequências específicas são isoladas como em pequenos atos cuja transição entre um e outro se dá por meio de breves momentos de tela preta com o som de uma nota grave de piano. Dessa forma, além de antecipar a tensão acerca do que está por vir, ainda aumenta o nível de importância da cena anterior.

É clara a intenção do roteiro de Juliete Snowden e Stiles White em criar cenas propícias ao terror gráfico, mas Bornedal se mantém preso ao suspense – muitas vezes desnecessário e decepcionante e que não é justificado por uma abordagem dramática – que domina a maioria das produções contemporâneas de horror sobrenatural, economizando dinheiro enquanto desperdiça potencial criativo. As poucas cenas mais explícitas mostram o decente trabalho de Vicki Syskakis na maquiagem e de Elaine Fung nos efeitos visuais, embora ainda se limitem à insegurança e à contenção do diretor neste aspecto.

Como todo filme de possessão demoníaca, este também vive à sombra do gigantesco “O Exorcista”, sendo quase inevitáveis algumas referências ao clássico. E como muitos do gênero, este também é uma metáfora à crise familiar – no caso, a filha caçula resistindo à desconstrução do seu local de refúgio afetivo. Apesar de interessante, não é novidade. A única saída para um roteiro padronizado seria um entretenimento gráfico, que também não acontece. Assim como o demônio, o próprio filme se mantém dentro da caixa.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe