O diretor John Hilcoat lança mão do embate entre três "honrados" contrabandistas e um corrupto oficial da lei para nos mergulhar em um universo de sangue, suor, balas e whisky feito em casa, contrapondo fato, ficção e lenda para nos mostrar a humanidade em cada um.
Analisando a filmografia do cineasta australiano John Hilcoat, vemos que seus longas são histórias essencialmente masculinas e tremendamente influenciados pelos westerns americanos. Em seu novo trabalho após o excelente “A Estrada”, ele se reúne com alguns antigos colaboradores e, com a ajuda de um ótimo elenco, transforma este “Os Infratores” em um verdadeiro faroeste em meio à Grande Depressão estadunidense.
Roteirizado pelo músico e escritor Nick Cave, tendo como base o livro de Matt Bondurant (que é descendente dos protagonistas da trama), o filme segue a ascensão de Forrest (Tom Hardy), Jack (Shia LaBeouf) e Howard Bondurant (Jason Clarke), trio de irmãos que, durante a década de 1930, viveu em um verdadeiro estado de guerra, desafiando a proibição de venda de bebidas alcoólicas e oficiais corruptos da lei para transformar a cidade interiorana onde moravam no condado mais “molhado” dos Estados Unidos.
Como em um bom exemplar do western, o conflito emerge quando um estranho chega à cidade, e este é o Assistente Especial Rakes, interpretado por Guy Pearce. Corrupto e elitista, Rakes detesta ser sequer tocado pelos “caipiras” locais, não tendo nada além de nojo por seus adversários e apresentando um orgulho imenso por sua posição. Pearce é, sem dúvidas, o grande nome do elenco, sabendo lidar muito bem com o afetado e caricato vilão que lhe fora dado, fazendo ótimo uso da maquiagem que lhe fora imposta e exibindo um carisma imenso toda vez que surge em cena.
Para que o longa funcionasse, Rakes tinha de ser uma figura absolutamente detestável mesmo estando (teoricamente) do lado da lei, pois os mocinhos são, de fato, criminosos contrabandistas. Nisso, Cave e Hilcoat foram inteligentes para humanizarem o máximo possível os seus “heróis” e até explorarem de maneiras bem humoradas as “lendas” que surgem em torno deles.
Para isso, os realizadores estabelecem, de maneira rápida e clara, as personalidades dos três “infratores”. Forrest é o líder, aquele que impõe sua autoridade perante os irmãos de modo natural e com palavras sempre bem escolhidas, agindo quando tem de agir e sempre de maneira decisiva e focada, com o ótimo Tom Hardy aproveitando ao máximo sua presença forte na tela para maximizar o domínio de seu personagem como “macho alfa”, domínio esse que só é questionado uma vez e do modo mais pitoresco possível pela bela e misteriosa Maggie (Jessica Chastain).
Por sua vez, Jack é o caçula que quer se provar para os demais, crescendo admirando os grandes gângsteres de Chicago (que eram vistos à época quase que como estrelas do rock). O jeito meio avoado e ainda imaturo de Shia LaBeouf cai como uma luva aqui, inclusive nos momentos em que Jack comete erros absolutamente primários, até mesmo por uma arrogância que acaba sendo inflada aos poucos e da qual deve se desligar para crescer. Tendo em vista que o escritor Matt Bondurant é neto de Jack, este acaba ganhando um tanto mais de destaque na narrativa, funcionando como narrador e olhos da audiência no desenrolar dos eventos.
Já Howard é um tanto mais bruto, servindo sempre como os músculos do trio, sendo sem dúvidas o menos explorado dos irmãos. Interessante notar que, como Howard não possui um interesse amoroso na história, ele acaba sendo o menos desenvolvido dos três como personagem, pois o romance de Forrest com Maggie e o flerte entre Jack e a filha do pastor local, Bertha (Mia Wasikowska), acaba por humanizar e fortalecer esses dois.
Tal como a maioria dos faroestes, temos pouco espaço para o romance, com as personagens femininas geralmente ficando de lado, sendo exatamente o que acontece aqui, embora a talentosa Chastain ainda ganhe algum espaço para sua Maggie, que muito lembra uma femme fatale do cinema noir. O mesmo não pode ser dito de Bertha, que tem pouquíssimo a fazer na história e dá menos material ainda para que Mia Wasikowska possa trabalhar. A atriz até que está bem em cena e convence ao lado de seu par, mas tem muito pouco a fazer. Temos ainda o jovem Dane DeHaan, visto recentemente em “Poder Sem Limites” que dá o toque de inocência que a trama precisa como Cricket e uma participação especial de Gary Oldman como um dos fora-da-lei que Jack e Cricket tanto admiram.
Um dos grandes trunfos de John Hilcoat aqui é o seu diretor de fotografia Benoît Delhomme. Os dois criam quadros e sequências visualmente fantásticos, capazes de explorar plasticamente não só os rápidos relances de simples belezas (como Bertha em seu vestido novo), mas a violência do mundo onde os Bondurants vivem, como na cena do sangrento ataque na neve e os tiroteios na ponte, sem contar uma brutal vingança que ocorre durante o segundo ato, que deixará alguns espectadores mais sensíveis um tento chocados (principalmente os homens). Ressalte-se ainda o confronto final dos Bondurants, que ocorre em meio as sombras, com as figuras dos combatentes se contrapondo à luz, quase como em um teatro kabuki, até mesmo em seu drama.
Contando ainda com uma fenomenal trilha composta por Cave e Warren Ellis, “Os Infratores” mantém o ótimo nível da filmografia de Hilcoat, que vem se mostrando um dos cineastas mais interessantes em atividade.