Segundo longa dos realizadores de "Pequena Miss Sunshine" gera boas discussões sobre relacionamentos amorosos.
Quem nunca desejou ter total controle sobre alguém? Escolher desde sua aparência até sua personalidade? E quem não usaria isto para benefício próprio? Por mais perigosa que possa ser esta ideia, não podemos negar que é bastante atrativa. Afinal de contas, todos nós estamos em busca da pessoa perfeita, cujas características estejam em completa harmonia com as nossas. O problema é quando nem nós mesmos estamos seguros de quem somos e do que queremos.
A partir destas questões, a premissa de “Ruby Sparks – A Namorada Perfeita” se desenvolve. Paul Dano interpreta Calvin Weir-Fileds, um escritor de sucesso cuja vida pessoal é solitária e depressiva. Para lidar com suas angústias, ele faz sessões regulares de psicoterapia com o Dr. Rosenthal (Elliott Gould). Seu estilo lembra muito o estereótipo tradicional de Woody Allen, referência (intencional ou não) que também podemos identificar no figurino desenhado por Nancy Steiner e nos trejeitos do personagem.
Em um dia como outro qualquer, Calvin sonha com uma bela jovem ruiva, por quem se apaixona instantaneamente. Mesmo ciente do quão ridículo é aflorar sentimentos por alguém que não existe, Calvin atende ao pedido de seu psiquiatra e começa a escrever sobre a mulher de seus sonhos, que batiza de Ruby Sparks (Zoe Kazan, que também roteiriza o longa). Este nome não foi criado por acaso, pois seu significado literal é uma forma do escritor criar uma metáfora para seus sentimentos em relação à jovem: “rubi” (pedra preciosa vermelha, glorificando sua amada e referindo-se à cor de seu cabelo) e “faíscas” (ilustrando a força da paixão que ela desperta).
Com a progressiva obcessão de Calvin por sua criação, não demora para que ela se desprenda da simples imaginação de seu criador e ele comece a vê-la de carne e osso vivendo em seu apartamento. Após um breve período resistindo ao suposto surto psicológico, Calvin chega à improvável conclusão: “Ela é real” – diz com surpresa e felicidade quando descobre que Ruby não é uma alucinação. Ideia semelhante pode ser observada no longa “Mais Estranho que a Ficção”, em que o tom de realismo fantástico também é presente e despido de qualquer preocupação em explicar tal acontecimento, o que é uma escolha muito bem-vinda para a proposta do filme.
Enquanto seu irmão e único amigo Harry (Chris Messina) fala com entusiasmo sobre como Calvin pode tirar proveito deste inusitado fenômeno, o escritor prefere manter uma relação natural com Ruby, sem que precise controlá-la toda vez que deseja algo. Esta postura ética é repensada quando o protagonista se depara pela primeira vez com a possibilidade de separação. É neste momento que o roteiro de Kazan começa a trabalhar melhor o potencial da trama e extrair dela uma interessante discussão sobre relacionamento.
Ruby não é mais uma mera personagem fictícia, é um ser humano com uma história de vida particular. Ainda que esta vida tenha sido completamente inventada por Calvin, ela é autêntica enquanto tem um significado real para Ruby. Seus sentimentos e ações, mesmo sendo decididos pelo escritor algumas vezes, são verdadeiros porque afetam concretamente a personagem e principalmente Calvin. Quando este não tenta lhe controlar, ela vive normalmente com todas as mudanças e incertezas inerentes ao desenvolvimento de qualquer pessoa. É tentando consertar as falhas de Ruby que Calvin reconhece as suas. Ele tenta adequá-la ao modo que acha melhor para si, mas nunca está totalmente satisfeito com as novas situações que cria. Coloca-se no lugar de responsável por ela, quando deveria o ser para ela. É ele quem precisa mudar.
O homem retraído e inseguro agora sente nas mãos o poder que todos querem, mas ninguém tem e nunca teve. Trata-se de um verdadeiro teste de caráter, que se torna mais interessante devido à preocupação do público com o personagem. Um vínculo e possível identificação se estabelece logo de início graças ao carisma de Dano, que nos vende muito bem a comicidade trágica do protagonista. Isto é facilitado pela familiaridade dos diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris com este tipo de abordagem e com o próprio ator no sucesso independente “Pequena Miss Sunshine”, primeiro longa dos diretores.
“Ruby Sparks – A Namorada Perfeita” é uma comédia romântica que não se limita em contar a história de um casal específico com a estrutura de desenvolvimento padrão do gênero. Tem um apelo universal, pois fala da natureza das relações humanas, principalmente amorosas. Dessa forma, constrói um terreno fértil para sérias reflexões, ainda que de forma tímida, não ousando tanto quanto poderia. Mas é justamente esta linguagem acessível, divertida e descompromissada que dá charme à obra.