A crônica falta de imaginação dos realizadores parece ser a marca registrada dos trabalhos da Globo para o cinema, não sendo esta produção uma exceção
A Globo Filmes tem uma estratégia interessante em seus longas de comédia. Esses filmes geralmente não possuem uma linguagem cinematográfica, parecendo muito mais aqueles especiais de TV que a Vênus Platinada exibe no fim do ano. Basicamente, a companhia gosta de tratar seu público como crianças pequenas, apresentando de novo e novamente aquilo que ele vê na telinha, só que no cinema.
Financeiramente, esse plano vem dando certo, tanto é que este “Até Que a Sorte Nos Separe” não nega ter vindo da mesma linha de montagem. Baseado livremente no livro “Casais Inteligentes Enriquecem Juntos” (o qual não li), o filme acompanha as desventuras de Tino (Leandro Hassum), homem que se tornou um milionário por acaso.
Outrora um personal trainer, ele vivia com a esposa Jane (Danielle Winits) em um humilde apartamento, até que ganharam na Mega-Sena. Quinze anos se passam e ele se torna um obeso arrogante e ela uma perua. A gastança desenfreada dos dois e de seus filhos acabam com a fortuna deles, fato que Tino esconde da família, especialmente de sua grávida esposa, fazendo o que pode para estabilizar as finanças com a ajuda de seu vizinho Amauri (Kiko Mascarenhas), controlado consultor financeiro que Tino humilhou por anos.
Dirigido por Roberto Santucci (“De Pernas Pro Ar”) e escrito pela dupla Paulo Cursino e Angélica Lopes, ambos veteranos de comédias televisivas, o longa mantém o mesmo padrão das produções humorísticas globais, com personagens unidimensionais, “reviravoltas” previsíveis e gags sem imaginação. As piadas são disparadas como metralhadoras e poucas acertem o alvo.
Um problema sério da produção são seus personagens principais. O Tino de Leandro Hassum é um homem que gosta de esfregar na cara dos outros sua própria opulência, tornando difícil gostar do personagem, mesmo com este apresentando uma burrice que poderia ser simpática, não consegue sê-lo justamente por conta do modo com o qual trata Amauri, que funciona como sua “escada”.
Por sua vez, por mais que Jane diga que não liga para dinheiro, várias vezes a vemos gastando verdadeiras fortunas apenas por despeito. Mesmo buscando um efeito cômico com isso (tudo o que ele consegue poupar, ela acaba gastando), o filme consegue cultivar antipatia para com a personagem, algo que nem todo o silicone de Daniele Winits poderia impedir.
Como falei anteriormente, o Amauri de Kiko Mascarenhas serve apenas de “escada” para Tino, embora o longa tente lhe dar um plot próprio e criar uma relação de paralelo entre as dinâmicas familiares dele e do protagonista. Mas o núcleo de Amauri é tão superficial e Mascarenhas está tão apático durante a projeção que essa intenção dos realizadores morre na praia. Mesmo o relacionamento entre a filha de Tino e o filho de Amauri, que ganha um sub-plot inteiro para si, sofre por conta da falta de desenvolvimento do texto.
Ainda temos uma longa ponta de Maurício Sherman, experiente diretor do infame “Zorra Total”, que surge “abençoando” o projeto e deixando claro qual é a lição de moral da produção, afinal o protagonista (e o público) aparentemente são incapazes de entendê-la sem que o filme a explique nos mínimos detalhes.
A direção de arte da fita é até eficiente no que se propõe, embora force a barra algumas vezes para enfocar pontos turísticos cariocas. Já a trilha sonora também não sai do lugar comum, com a falta de imaginação nos temas espelhando a ausência de criatividade da própria película.