Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 01 de outubro de 2012

Looper – Assassinos do Futuro (2012): ação e consequência marcam thriller

Viagens no tempo são só o ponto de partida deste imperdível longa, que mostra poderosas metáforas sobre a violência humana e os conflitos entre versões diferentes de nós mesmos.

A boa ficção científica é aquela que nunca perde o ser humano de vista, por mais que avance no terreno do impossível. Certo mito popular reza que, em um espaço de sete anos, todas as células dos nossos corpos são completamente substituídas. Embora isso não seja totalmente verdade, esse período de tempo é suficiente para uma pessoa maturar (e mudar) ideias, convicções, crenças e valores, tornando-se, em essência, um indivíduo diferente.

O que aconteceria se alguém entrasse em confronto com seu “eu” mais experiente? Se agarraria a quem é (e tem) ou tentaria manter quem será (e terá)? Esse é um dos temas que “Looper – Assassinos do Futuro” toca. No entanto, este longa de ação futurista escrito e dirigido por Rian Johnson (cujos créditos incluem episódios de “Breaking Bad” e o filme “Vigaristas”) não se limita a propor esse questionamento em um nível pessoal, também se indagando, em um nível macro, quanto à natureza cíclica da história da violência.

No mundo apresentado por Johnson, a sociedade de 2042 vive em um estado de todos contra todos, onde uma organização criminosa domina o cenário e a população se agarra às suas posses materiais, por mínimas que elas sejam. Nessas condições de depressão econômica, conhecemos Joe (Joseph Gordon-Levitt), jovem que trabalha como um Looper, encarregado de assassinar desafetos dos mafiosos de trinta anos no futuro que são enviados ao seu presente para serem eliminados.

Os Loopers têm um prazo de validade de três décadas, justamente o momento em que as viagens temporais são declaradas ilegais pelo governo. Nesse ponto, seus empregadores os mandam de volta no tempo para serem eliminados por suas versões mais jovens, condições aceitas pelos Loopers em troca de quantidades assombrosas de dinheiro que lhes permitem ascender da lama.

Quando chega a vez de Joe matar seu “eu” futuro (Bruce Willis), este escapa, não apenas com a intenção de sobreviver, mas também com um plano, colocando os dois na alça de mira de Abe (Jeff Daniels), o homem para quem Joe trabalha. Caçando sua versão do futuro, o protagonista conhece a fazendeira Sara (Emily Blunt), encontro este que irá, literalmente, alterar o seu destino.

Se a sinopse parece um tanto complexa, a exposição dela por Rian Johnson acaba sendo um dos pontos mais fortes da narrativa, tendo em vista que o cineasta explica aos poucos as regras daquele mundo sem recorrer a diálogos expositivos, mostrando como funciona dentro da própria trama, sempre de modo orgânico.

Por mais que algumas das regras da viagem do tempo propostas pelo roteiro não façam muito sentido científico, elas sempre acabam por beneficiar a história de algum modo. O próprio filme reconhece isso ao mandar que ignoremos a mecânica temporal, tendo em vista que, se a fita se fixasse nisso, gastaria muito da projeção em tecnobaboseira e nos distrairia da mensagem que o diretor deseja transmitir.

O Joe de Levitt veio do sofrimento e é fruto da violência, estando preso em um círculo vicioso de assassinato, prazeres fugazes e entorpecimento, ansiando por uma conexão real com alguém. A maquiagem que foi aplicada em Levitt para aproximar sua fisionomia à de Willis é efetiva, contribui para a narrativa e jamais restringe o trabalho do ator, que ainda mimetiza alguns dos cacoetes do veterano astro de ação, dando credibilidade à atuação.

Em contrapartida, o Joe de Willis conseguiu se tornar um homem melhor justamente graças à sua esposa, com as barbaridades por ele cometidas se justificando pela sua cruzada em salvar sua amada. Os dois defendem muito bem esse protagonista, mas o roteiro dá alguma vantagem a Levitt, tendo em vista que ele é quem passa por um arco narrativo mais próximo ao público.

Muito disso se deve à relação do anti-herói com a personagem de Emily Blunt, Sara, uma mulher reclusa que vive em sua fazenda ao lado do filho, Cid. Esse núcleo familiar concede uma humanidade maior ao Joe mais jovem, além de funcionar como um contraponto à criação disfuncional deste. Neste sentido, a boa química entre Levitt, Blunt e o pequeno Pierce Gagnon se mostra fundamental para o surpreendente terceiro ato da história.

Ainda vale a pena destacar as boas – porém curtas – participações dos sempre competentes Jeff Daniels e Paul Dano. Mesmo aparecendo pouco, os atores deixam uma ótima impressão na fita, especialmente Daniels que, a despeito de sua compleição simpática, imprime respeito e tensão sempre que surge em cena.

O orçamento de US$ 30 milhões, relativamente apertado para um longa de ação sci-fi, fez com que Rian Johnson adotasse um estilo bastante direto de direção, sem firulas ou enrolação, o que combina com a história. Os tiroteios são secos e brutais. Não esperem também grandes tomadas de efeitos especiais ou cenários elaborados.

Johnson finca a narrativa em ambientes que primam pela desolação e pobreza, remetendo um pouco a Nova York da Grande Depressão da década de 1930. Mesmo nos momentos que exigem alguma computação gráfica, esta sempre surge de maneira econômica. A trilha sonora de Nathan Johnson segue a linha pragmática do resto da produção, só surgindo quando realmente necessária.

“Looper – Assassinos do Futuro” é, no final das contas, um filme sobre círculos viciosos, especialmente sobre o da violência, e dos sacrifícios que são necessários para quebrá-los. Recomendado.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe