Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 25 de setembro de 2012

Otto (2012): documentário celebra e reflete as pequenas coisas da vida

Em uma explosão para os sentidos, somos convidados a explorar o fato de estarmos vivos.

“Otto” é descrito por seu diretor, o mineiro Cao Guimarães, como sendo um longa-metragem que acompanha o processo de gravidez de sua mulher e o nascimento de seu filho, de quem o filme acabou herdando o nome, mas é muito mais do que isso. O filme desdobra-se em uma verdadeira celebração à vida, seja ela na Turquia, no Uruguai ou mesmo no Brasil, locais onde o documentário foi gravado.

Com ecos de Jean-Pierre Jeunet, diretor do filme “O Fabuloso Destino de Amélie Poulain”, somos convocados a apreciar sem pressa as pequenas coisas da vida: a neve que cai, a onda que vem quebrar na praia. Em enquadramentos delicados, na altura de um olhar que acompanha com interesse o simples fato de existir, vemos um desfile de cores e cenários lúdicos que nos remete a experiências pessoais e nos alimenta em um banquete para os sentidos.

Pode parecer redundante dizer que as imagens são o grande destaque de “Otto”, quando falamos de uma técnica completamente dirigida a elas, afinal de contas não existe cinema sem imagens. Mas me refiro aqui a imagens cheias de significado e significância, pensadas para dizer muito mais do que se pode pensar um observador distraído pela rotina e pelo tédio da ditadura do óbvio. Uma semente é muito mais que uma semente, um fruto maduro não é apenas um fruto maduro.

E assim, as sequências aparecem e somem da grande tela como no ciclo natural da vida, onde se nasce, cresce, reproduz e morre, ou melhor, onde se vê a imagem ganhar a tela, crescer seu sentido, reproduzir então a ideia e dissolve dando lugar à próxima, no ritmo impetuoso do tempo que nunca para. Você nunca foi tão jovem como hoje, e hoje é o mais velho que você já foi.

Tão intimista e confidente como em um vídeo caseiro, ouvimos ao longo do filme a voz de Guimarães a declamar poéticas sobre o sentido da vida e a força incalculável que é estar vivo. O som do vento correndo livre, a gargalhada solta e os batimentos do coração de quem ainda nem chegou cuidam de dividir o resto do tempo nos envolvendo como em um útero acolhedor e seguro, onde nada pode nos ferir.

O documentário é uma sinestesia no melhor de suas aplicações. As cores têm sabor e despertam a vontade de ser devoradas, enquanto o som traz cheiros pessoais e intransferíveis, e a vida fica cada vez mais estimulante de ser experimentada, como um convite irrecusável para viver intensamente.

Cao Guimarães é um dos expoentes brasileiros no cruzamento entre o cinema e as artes plásticas. Com produção intensa desde o final da década de 1980, o artista tem suas obras em numerosas coleções prestigiadas como o Tate Modern, em Londres, e o MoMA, em Nova York. Este é o seu sétimo longa-metragem, que venceu a 45ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro nas categorias Melhor Documentário, Fotografia, Trilha Sonora e Som.

Esse filme fez parte da programação do 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2012.

Bruno Maranhão
@bmaranhas

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