Suspense tem ótimo elenco e começa bem, mas as falhas do roteiro e da direção comprometem o resultado final.
A ciência é a forma de conhecimento mais aceita no mundo, permitindo um entendimento vasto e objetivo sobre eventos naturais e humanos por meio de uma metodologia experimental, além de promover avanços tecnológicos que beneficiam a sociedade em diversos âmbitos. Por outro lado, há fatores que aparentemente não se encaixam à lógica científica e geram questionamentos, insegurança e, ao mesmo tempo, esperança de que a vida guarda mistérios que fogem à nossa compreensão. “O que você pode realmente saber? O que você chama de verdade?” – indaga Simon Silver (Robert De Niro) durante um de seus espetáculos sobrenaturais.
Neste cenário dividido e cheio de incertezas, “Poder Paranormal” nos apresenta Margaret Matheson (Sigourney Weaver), uma professora e cientista que, com a ajuda de seu assessor Tom Buckley (Cillian Murphy), estuda casos de suposta paranormalidade a fim de desmenti-los e desmascarar os impostores por trás do golpe, se necessário. Esta racionalidade é posta em questão quando o famoso vidente Simon Silver retorna do anonimato após 30 anos, despertando o interesse de Buckley e trazendo à tona lembranças angustiantes de Matheson.
A dualidade entre ciência e sobrenatural é muito bem ilustrada pela fotografia de Xavi Giménez em parceria com a direção de arte de Edward Bonutto, que variam entre tons frios e quentes de acordo com a representação de cada cor para determinado personagem ou situação. Por exemplo, as cenas da faculdade em que Matheson dá aula são sempre filmadas em paleta azul-esverdeada, enquanto o cenário do teatro onde ocorre o show de Silver é composto primordialmente da cor vermelha. Esse contraste pode ser observado também na casa de Matheson, que contém ambas as cores, reflexo da posição contraditória da personagem. Esta é confessadamente descrente no sobrenatural, mas esconde o desejo de que existisse algo além da vida, para assim saber lidar de forma saudável com o fato de seu filho estar em coma há anos.
O primeiro ato é o melhor do filme, desenvolvendo-se de maneira paciente e sucinta. Apresentando-nos logo no início à forma de trabalho da dupla de cientistas, o roteirista e diretor Rodrigo Cortés nos familiariza com os personagens e cria um vinculo imediato entre eles e o público. As atuações de Weaver e Murphy também são eficientes ao passar de forma natural a seriedade e considerável frieza da experiente Matheson e a personalidade amistosa e curiosa do aprendiz Buckley.
A introdução de Silver à trama já subentende uma relação de confronto silencioso para com os dois cientistas. O estabelecimento desse conflito e, principalmente, sua manutenção em um nível etéreo, mas sempre presente, gera um clima de mistério e tensão que é responsável por grande parte do interesse do público, funcionando também como ambientação para trabalhar melhor a esfera dramática dos personagens.
A partir daí, o filme começa a mostrar suas falhas. A mudança de foco que ocorre na metade da projeção, revelando Buckley como o verdadeiro protagonista, pode ser até interessante do ponto de vista narrativo, mas ocorre de forma brusca, sem que o terreno esteja preparado para o espectador admitir esta mudança naturalmente. As possibilidades que a personagem de Weaver poderia oferecer enquanto centro da narrativa são postas de lado sem que este mesmo nível de importância seja transposto a Buckley. Isso deixa um buraco no vinculo com o público que nunca é totalmente preenchido de novo – mesmo com a competente atuação de Murphy –, o que prejudica também o excelente clima de suspense construído até então.
Coadjuvantes mal explorados também contribuem para essa fragilidade do longa. Elizabeth Olsen, que já tem experiência com suspense no recente “A Casa Silenciosa”, o qual protagonizou, desta vez lida com uma personagem bem menos exigente, Sally, aluna de Matheson e namorada de Buckley. Sua participação é pontual e inofensiva, podendo simplesmente ser descartada sem que isso provocasse grandes alterações na trama. O único personagem secundário com função definida e executada de modo satisfatório é Paul Shackleton, um cientista colega de Matheson, interpretado pelo carismático Toby Jones.
O próprio Silver, personagem chave do longa, não passaria a importância que tem na história se não fosse a presença gigantesca de Robert De Niro, estando o personagem a serviço do ator. A cena específica que fornece uma boa oportunidade para consolidar o nível de ameaça do vidente à comunidade científica e a Buckley em particular é totalmente desperdiçada com um monólogo tão vazio que soa confuso.
Cortés perde a mão no trabalho com os personagens quando se rende aos clichês do gênero, com direito a uma mulher desconhecida apontando o dedo para Buckley no meio da rua com ar misterioso. O diretor também peca no ritmo, jogando várias situações “intrigantes” e repentinas em uma única sequência – a que Buckley está em casa com Sally –, fazendo desta quase o clímax do filme. Depois do terceiro “susto”, a cena já perde completamente o propósito.
O último ato apresenta uma reviravolta interessante, mas que deixa várias pontas soltas para o espectador mais atento que procura uma coerência geral dos eventos. Ainda com falhas de roteiro e direção, “Poder Paranormal” conta uma boa história e consegue entreter, sendo boa parte disso mérito do ótimo elenco. No mais, a trilha de Victor Reyes e o desenho de som de James Muñoz, apelativos e característicos desse tipo de produção, sabotam qualquer intenção de Cortés em apresentar algo fora da caixa.