Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 23 de setembro de 2012

A Memória que me Contam (2012): novo olhar sobre a ditadura no Brasil

Em trama sobre o choque de gerações, passado e presente são discutidos e ajudam a pensar um dos momentos mais tristes da história do país.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, chegando até meados da década de 1980, a América Latina viveu um dos momentos mais sombrios de sua história, mergulhada em regimes ditatoriais por todo o continente. Perseguição política, tortura e censura às liberdades individuais eram rotina para aqueles da época. Algumas décadas depois, a Comissão da Verdade no Brasil tenta abrir os arquivos secretos da ditadura e apurar graves violações aos direitos humanos cometidas por agentes públicos neste período.

Essa é a deixa para “A Memória que me Contam”, da carioca Lucia Murat, drama cheio de ironias sobre um grupo de amigos que resistiram à ditadura militar e, ao lado de seus filhos, a nova geração, vão viver na pele o conflito entre passado e presente, quando um deles, da velha guarda, está à beira da morte. E como é inevitável em situações como esta, refletir sobre o que foi feito da vida torna tudo muito mais interessante.

O grande trunfo do longa de Murat, diretora experiente em retratar este período histórico do país, é trazer nova luz ao tema da ditadura militar no Brasil, tópico já muito desgastado no decorrer dos anos. Aqui, a discussão é transferida do debate sobre os horrores do regime à forma como essa geração encara o País que veio depois da abertura política, e sua visão sobre a forma como seus “herdeiros” lidam com esta nova realidade.

O conflito entre gerações serve para pontuar uma viagem constante entre o que se vive hoje e o que passou, trabalho muito bem executado pela edição do filme. E é justamente essa viagem no tempo que guia o espectador dando a ele pontos de vista divergentes, na tentativa de provocá-lo a tomar partido, tirar suas próprias conclusões, sendo personagem ativo junto ao longa. Afinal de contas, a geração que lutou contra a ditadura era cheia de sonhos e lutava por eles, o que acontece com a atual geração, tão apática e sem sonho algum? Ela não luta ou as batalhas e os meios de lutar é que não são mais os mesmos?

É bom deixar claro que em momento algum os dramas vividos durante este período de opressão são menosprezados, e que a mensagem ainda é transmitida, mas trazendo novas cores e dando espaço para uma discussão que acrescenta à produção cinematográfica que existe sobre o tema. Alternando o peso da temática com um pouco de humor e leveza para tratar de uma época da história nacional que não pode ser esquecida. Desafio que é mais do que alcançado com a ajuda do elenco de grandes nomes nacionais, como Irene Ravache, Zé Carlos Machado e Simone Spoladore, só para citar alguns.

Em meio ao debate sobre a falência das utopias, sobre a liberação sexual e sobre a construção de mitos, refletimos um pouco sobre um país dito sem memória e aprendemos a lidar um pouco melhor com ela por meio da dor, do amor, e do riso.

Lucia Murat é cineasta dedicada a temas políticos e femininos. As temáticas recorrentes da ditadura militar vêm de sua experiência pessoal como membro do movimento estudantil. Foi presa em 1971, torturada e encarcerada por três anos e meio. A diretora recebeu em 1989 o prêmio de Melhor Filme no Festival de Brasília, por “Que Bom te Ver Viva”.

Esse filme fez parte da programação do 45º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em setembro de 2012.

Bruno Maranhão
@bmaranhas

Compartilhe

Saiba mais sobre