Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 16 de setembro de 2012

E a Vida Continua… (2012): um desastre em forma de cinema

Praticamente indefensável dos pontos de vista técnico e narrativo, trata-se do pior longa do cinema nacional espírita até aqui.

Os filmes com temática espírita já se tornaram um filão deveras lucrativo na indústria cinematográfica brasileira. É um fato. Se esse filão é positivo para o cinema nacional, aí é outra história. No entanto, é seguro dizer que este “E a Vida Continua…” é, de longe, o pior deles lançado comercialmente até o momento.

Isso porque não fosse o lançamento do longa em salas comerciais e a presença de alguns atores profissionais e com um currículo admirável, seria fácil confundi-lo com uma obra amadora pronta para não ser curtida no YouTube. Adaptando o livro de Chico Xavier conforme ditado pelo espírito André Luiz, o diretor e roteirista estreante Paulo Figueiredo demonstra não ter a mínima noção dos mais básicos fundamentos da sétima arte.

É impressionante como nada funciona. Desde os enquadramentos, passando pela direção de arte, chegando finalmente à montagem e edição de som… Tudo é um verdadeiro desastre, destruindo uma obra que já cativou milhões de adeptos.

Na trama, Evelina (Amanda Acosta) é uma jovem doente que está prestes a passar por uma cirurgia séria. Descansando em um hotel, ela conhece Ernesto (Luiz Baccelli), um homem mais velho que também está prestes a se prostrar em uma mesa cirúrgica para um procedimento complicado. Os dois então forjam uma amizade que perdurará além desta vida.

Deixando os problemas técnicos da fita um pouco de lado, o fato é que o roteiro de Figueiredo atira para todos os lados, mas não sabe que história contar, começando plots e simplesmente não os desenvolvendo, se contentando em fechá-los com twists vindos do nada, geralmente envolvendo elementos do passado dos personagens.

Os relacionamentos evoluem a pontapés e é impossível enxergar qualquer química entre qualquer ator em cena, principalmente entre Acosta e Baccelli, tendo em vista que todos ali se comunicam por meio de diálogos extremamente forçados. Sutileza ou naturalidade são palavras que esta produção desconhece, especialmente quando o marido de Evelina, Caio, vivido por Luiz Carlos Félix, surge em cena, transformando cenas que deveriam ser dramáticas em momentos que beiram o humor acidental.

Em certos pontos da projeção, o filme se esquece de contar uma história e passa a dar aulas sobre a doutrina espírita. Neste sentido, ele lembra muito alguns curtas italianos lançados no Brasil nos anos 1990 sobre o catolicismo, que se aproveitavam de alguma trama sem sentido para martelar passagem da Bíblia.

Outro traço que “E a Vida Continua…” possui em comum com essas produções baratas é a falta de sincronia entre imagem e som, algo que remete às fitas setentistas de kung-fu lançadas no Brasil em VHS e compromete ainda mais as já frágeis atuações que vemos ali. O problema vai além da falta de sincronia, pois a ADR (Automated Dialog Replacement) foi horrivelmente mixada com o som direto, gerando um Frankenstein sonoro ridículo, com uma trilha sonora intrusiva que piora ainda mais a situação.

Chega a ser risível também o fato de que Figueiredo nem mesmo sabe como enquadrar seus atores, por vezes cortando seus rostos do quadro em close-ups. A direção de arte e os efeitos visuais são constrangedores, para dizer o mínimo, com destaque para um plano que mostra Lima Duarte declamando exposição em um fundo digno de videokê.

Além disso, a montagem não consegue dar qualquer ritmo ao longa, tornando a experiência ainda mais traumática. Quando um montador não consegue organizar um simples diálogo com plano e contraplano é sinal de que a coisa está feia, com a película apresentando problemas até mesmo nos raccords mais simples, dificultando o estabelecimento de uma lógica narrativa.

Não funcionando como cinema ou mesmo como veículo para a doutrina espírita, dizer que “E a Vida Continua…” parece amador quando comparado com alguns trabalhos de conclusão de curso de faculdades de cinema seria um insulto aos jovens formandos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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