Não se trata de um filme que vai mudar a vida de ninguém, longe disso. Mas é um musical que vai fazer muita gente na casa dos 30 ficar com um sorriso de orelha a orelha no cinema.
Ah, os anos 1980… Filmes com Stallone, Schwarzenegger e Willis dando porrada em meio mundo, “Dallas” e “Thundercats” na televisão… Certo, não tem muita diferença em relação ao audiovisual de hoje em dia, mas certamente a definição de astros do rock mudou muito de lá para cá.
Em meados da década perdida, os rock stars eram vistos como símbolos de transgressão, rebeldia e originalidade. Por mais kitsch que fossem suas performances e por mais cheias de laquê que estivessem suas cabeleiras com permanentes, havia sim um quê de rebelião performática ali. Hoje em dia, para que vocês tenham noção, somente vemos algo remotamente parecido com aquilo no mainstream em shows da Lady Gaga.
Aos poucos, a fronteira entre o rock e o pop minguou e pouco temos das excentricidades dos rockers hoje em dia, considerando que todos são vigiados 24 horas por dia, não só pela mídia, mas também pela patrulha do politicamente correto. O que “Rock of Ages” tenta fazer é brincar um pouco com as lembranças afetivas de quem viveu aquela época específica da música, mirando especificamente o pessoal que cresceu com nomes como Kiss, Guns’n Roses, Def Leopard, Twisted Sister e Journey na cabeça.
Apesar do musical que deu origem ao filme existir já tem algum tempo, há um motivo pelo qual está sendo levado para as telas agora: os musicais já possuem novamente um público crescente. Aliado a isso, temos ainda o saudosismo oitentista que está se transformando em lucro nos cinemas, vide “Super 8” e o INSS para astros de ação que é a franquia “Os Mercenários”.
Em uma intersecção desses dois fatores está a série de TV “Glee”, que deu um boost nas vendas da já citada Journey, quando fez de “Don’t Stop Belivin” um de seus maiores hinos. Não por acaso, essa música tem papel primordial na trama de “Rock of Ages – O Filme”. A história, como não poderia deixar de ser, é bem básica. Drew (Diego Boneta) e Sherrie (Julianne Hough) são dois jovens com sonhos de rock (um garoto da cidade e uma garota de uma cidadezinha, vejam bem), com a música correndo em suas veias.
Os dois trabalham no Bourbon Room, uma quase mítica casa de shows administrada pelos amalucados Dennis e Lonny (Alec Baldwin e Russell Brand). As vidas de todos dão uma guinada quando o maior astro do mundo, Stacee Jaxx (Tom Cruise), resolve fazer seu último show lá, mesmo sob os protestos do Prefeito e de sua Primeira Dama (Bryan Cranston e Catherine Zeta-Jones). A partir daí, temos uma sucessão de encontros e desencontros amorosos e musicais, sempre regados e contados em números de rock bem executados.
Os protagonistas Diego Boneta e Julianne Hough se esforçam ao máximo em suas atuações e não comprometem, mesmo sendo claramente ajudados pelo recurso do auto-tune e se apresentarem de maneira mais pop que o desejado, estando mais para Backtreet Boys e Britney Spears que para Sebastian Bach e Joan Jett (embora, no caso de Boneta, a trama realmente peça por isso).
Os atores que realmente viveram os anos 1980 em sua plenitude acabam sendo o coração do filme. Posso discorrer aqui sobre quão boa é a química entre Alec Baldwin e Russell Brand, sobre a energia que Catherine Zeta-Jones impõe à sua interpretação como a Primeira Dama, sobre o charme meio tosco da repórter vivida por Malin Ackerman, mas todos empalidecem perante o verdadeiro dono do show, Tom Cruise.
O Stacee Jaxx de Cruise é hilariamente exagerado, sendo uma bem-vinda mistura de Axl Rose, Jon Bon Jovi (daquele tempo, claro) e do vampiro Lestat (de “Entrevista com o Vampiro”). Carismático e às vezes não fazendo o menor sentido em seu discurso, Jaxx é a própria imagem do mito rocker e Cruise parece se divertir litros em suas surpreendentes performances, contagiando o público por consequência.
A montagem do diretor Adam Shankman para sua versão cinematográfica do musical é ótima, usando o orçamento inflado da produção para mergulhar o público em cenários e situações que brincam com a memória emotiva de quem viveu aquele período e diverte quem só ouviu falar daquele tempo. Sim, é tudo exagerado, bufante e até meio ridículo, mas essa é a intenção e funciona muito bem. Parabéns para a direção de arte que realmente pegou o espírito da coisa e ajuda o espectador a mergulhar de cabeça naquele universo.
As músicas são espetáculos à parte e empolgam bastante, destacando a versão de Cruise pra “Wanted Dead or Alive”, a parceria do astro com Malin Ackerman na balada “I Want to Know What Love Is” e a catarse final em “Don’t Stop Belivin’”, com quase todo o elenco principal cantando junto.
Ver “Rock of Ages – O Filme” não vai mudar sua vida nem sua compreensão do universo. O longa tem uma história deveras formulaica e é previsível feito um relógio. Mas é quase certo que vai deixar você sorrindo na saída da sessão e com vontade de desenterrar suas coleções de bolachões farofentos ao chegar em casa.