Dois dos maiores nomes do cinema se unem para explorar os desejos humanos, bem como suas consequências para os outros. O problema é que o fazem de uma forma por demais distante, resultando em um longa aquém de suas capacidades, embora tecnicamente digno de elogios.
Fernando Meirelles é, certamente, um dos melhores e mais corajosos diretores de sua geração. Já o escritor britânico Peter Morgan, por sua vez, concebeu ótimos e elaborados roteiros, que mergulhavam fundo nos dramas de seus personagens, fossem eles apresentadores de TV, jovens médicos ou mesmo a Rainha da Inglaterra. Junte os dois e coloque à disposição deles um elenco estelar e certamente teremos um bom filme nas mãos, certo? Não exatamente.
Meirelles e Morgan conceberam para esta parceria o longa “360”, fita que se assemelha a “Babel” em sua ambição de nos mostrar como as consequêncas das ações de qualquer um possuem efeitos nas vidas de muitas outras pessoas ao redor do mundo. Uma borboleta bate suas asas no Rio de Janeiro e um furacão atinge Londres. Causa e efeito.
Em uma viagem ao redor do mundo, conhecemos um grupo de pessoas de diversos lugares e de diferentes classes sociais. Uma mulher que entra no ramo da prostituição, um executivo longe de sua família, uma jornalista solitária, um fotógrafo ambicioso, uma jovem de coração partido, um homem em busca de sua filha, um criminoso em busca de redenção, um muçulmano em conflito com seus desejos, uma esposa negligenciada e um marido em conflito com sua hombridade. Todas essas pessoas encontram-se em encruzilhadas e as decisões que tomam irão influenciar as vidas de todos.
Nesse tipo de narrativa, os realizadores possuem pouco tempo para mergulhar na intimidade dos envolvidos, algo que é o forte da direção de Meirelles e do texto de Morgan. E é justamente aí que o longa peca. Salvo raras exceções, jamais conhecemos o íntimo daquelas pessoas ou entendemos as motivações por trás de suas ações. Esse afastamento e a frieza com qual as tramas são tratadas impedem que nos importemos com os destinos dos personagens.
Por melhores que os atores sejam, e o elenco da fita é realmente estelar, é difícil construir personagens tridimensionais sem que o filme investigue seus interiores e é quase impossível para o público cultivar qualquer simpatia por alguns. A prostituta novata vivida por Lucia Siposová já nos primeiros cinco minutos em cena nos mostra que sexo não é a única coisa que fará por dinheiro e não nos parece que ela e sua irmã vivem em uma situação que justificasse tais ações.
Também é complicado torcer pela felicidade de um casal que mal conhecemos e conflitos que não entendemos, como na trama protagonizada por Jude Law e Rachel Weisz. A história de amor desengoçada entre o dentista muçulmano vivido por Jamel Debbouze e sua assistente casada, interpretada pela russa Dinara Drukarova, poderia ser interessante, mas acaba se mostrando deveras anticlimática e sem ritmo.
E simplesmente não temos tempo para compreender as intenções Rui, o fotógrafo vivido por Juliano Cazarré, sendo praticamente impossível saber se ele é um homem apaixonado ou um oportunista, até porque só o vemos por três minutos de filme. No entanto, dentre esse verdadeiro emaranhado de histórias que simplesmente não engrenam, uma delas funciona extremamente bem.
Toda a trama acompanhando os personagens de Anthony Hopkins, Maria Flor e Ben Foster é simplesmente fascinante, envolvendo sentimentos bastante humanos de perda, redenção e desejo. Mesmo sendo relativamente curta, se trata de um plot muito bem desenvolvido e os três atores estão simplesmente fantásticos.
As interações de Maria Flor com Hopkins e Foster são ouro puro, com cada um tirando do outro o seu melhor. Note-se ainda que a câmera de Meirelles assume um olhar intimista, que captura muito bem cada reação dos três, tornando mais reais seus complexos problemas por meio de uma elegante economia narrativa, compensando com conteúdo o pouco tempo em cena que o trio possui. Meirelles ainda impõe uma tensão crescente à história que se torna impossível não se envolver com esta, com a intensidade da interpretação de Ben Foster funcionando como uma espécie de marcador de tensão.
É uma pena que essa urgência não se repita com as demais histórias. Mesmo a metáfora dos 360 graus é mal empregada, tendo em vista que certas tramas quase não causam impacto às outras e nos é entregue de maneira dolorosamente artificial. Chega a ser triste ver o ótimo trabalho técnico de Meirelles e sua equipe, especialmente o fotógrafo Adriano Goldman, desperdiçado em um texto quase sem paixão ou intimidade, algo primordial em uma fita cujo mote é um olhar fetichista nos desejos e paixões dos seres humanos.
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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.