Some um péssimo roteiro, um visual tosco, uma animação atroz e um 3D invasivo e temos um retrato perfeito de como torturar uma criança por uma hora e meia.
Quando “Vida de Inseto” brincou um pouco com o roteiro de “Os Sete Samurais”, a Pixar provavelmente não imaginava que o plot de um animal que acaba confundido com um guerreiro ao chegar a um lugarejo cuja população se vê ameaçada por um predador se tornaria um clichê para animações computadorizadas.
Não que esse chavão não possa gerar bons filmes. O recente e maravilhoso “Rango” usou essa mesma trama para contar uma história absolutamente inventiva. O problema é que clichês nas mãos erradas se transformam em uma mistura de tortura com flashes de deja vu. E é esse o caso de “Outback – Uma Galera Animal”.
O tom genérico do filme já é estabelecido pelo subtítulo escolhido pela sua distribuidora, a Playarte. A empresa, aliás, vem se especializando em lançar nos cinemas animações baratas e de baixa qualidade, contando justamente com os padrões nada exigentes que certos pais possuem para escolher os filmes que seus filhos vão assistir (vide “A Festa do Garfield”).
O choque inicial ao descobrir que o longa fora escrito por três roteiristas passa quando sabemos que esse trio concebeu o igualmente desastroso “O Mar Não Está Para Peixe” e que o diretor da fita é o sul-coreano Kyung Ho Lee, mesmo (ir)responsável por “Garfield Cai na Real”.
Aqui, esse “time dos sonhos” nos leva em uma viagem pelo outback australiano (sério?!), onde conhecemos o urso coala branco Johnny, que é segregado dos demais coalas por ser branco. Sim, eles não gostam dele por ser branco. Na verdade, esse ódio todo pode ser porque o protagonista é dublado em sua versão original por Rob Schneider, mas divago.
Depois de ser escorraçado mais uma vez, Johnny é encontrado pelo diabo da tasmânia Hamish, que trabalha junto do macaco fotógrafo Higgins procurando atrações para o show de horrores de um circo. Após um acidente no caminho para a próxima cidade, Johnny, Hamish e Higgins acabam no meio do outback, onde precisam ajudar um grupo de animais da ameaça do crocodilo Bog, uma espécie de mafioso animalesco, com Johnny assumindo a identidade de Super-coala (?!).
O filme não faz sentido algum, jamais estabelecendo exatamente qual a lógica do mundo que estamos conhecendo. Além disso, os relacionamentos entre os personagens só não é mais forçado que as piadas e gags que permeiam a produção, incluindo uma montagem gratuita de Johnny imitando cenas de filmes como “300” e “Superman – O Filme”.
Todas as figuras que encontramos no decorrer da projeção são completamente unidimensionais e desprovidos de carisma. As guinadas na trama são absolutamente previsíveis, não havendo qualquer sombra de criatividade em nenhum momento da narrativa. Até mesmo o vilão Bog não desperta medo ou raiva, só… existe.
Não espere a situação melhorar nos aspectos técnicos da produção. A animação é simplesmente atroz, a direção de arte não explora em nada o ambiente riquíssimo onde a história se passa, o design dos personagens chega a ser triste e a trilha sonora é simplesmente chata. O 3D do filme funciona ao jogar na cara do público objetos tridimensionais mal concebidos, se limitando a isso, com os óculos tornando os intermináveis 90 minutos dessa tortura ainda mais incômodos. Um verdadeiro horror, de fato.
___
Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.