Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Vingador do Futuro (2012): longa falha na tentativa de criar um novo olhar

Ficção científica de ação apresenta cenários e conceitos interessantes, mas cai em uma abordagem genérica e preguiçosa.

O que é real? O que é fantasia? É melhor ter uma vida feliz baseada em ilusões ou ter uma vida medíocre, mas verdadeira? Afinal de contas, o que se pode considerar verdadeiro? É a partir destas questões que Philip K. Dick desenvolve a premissa de seu conto “Podemos Recordar para Você, por um Preço Razoável”, lançado originalmente em 1966. Este conto foi adaptado livremente para o cinema em 1990 sob o título de “O Vingador do Futuro”, com Arnold Schwarzenegger no papel principal, e conquistando o status de clássico da ficção científica.

Não é surpresa que esta história ganhe uma nova versão cinematográfica em 2012, uma vez que esta é a principal estratégia da indústria hollywoodiana atualmente. Levando o mesmo título da primeira versão, mas desta vez protagonizado por Colin Farrell, o longa nos apresenta um cenário pós-apocalíptico interessante. Depois de uma guerra química, os únicos territórios habitáveis remanescentes na Terra são a União Federativa Britânica (UFB) e a Colônia. Os trabalhadores da Colônia têm que atravessar o planeta diariamente pelo único meio de transporte possível, a Queda.

Esta introdução já deixa clara a proposta realista e o contexto sócio-político da trama. Isto é positivo no sentido em que tenta lançar um novo olhar sobre uma história já contada. Apesar de categóricas e simplistas, as disparidades, interesses e relações entre os dois territórios ficam subentendidos já no início da projeção, tornando esta exposição informativa necessária para situar o espectador.

A Queda é um conceito interessante, levando em conta o gênero de ficção científica, justamente devido à sua improbabilidade. O gigante recipiente que leva dezenas de trabalhadores de um canto a outro do planeta, passando literalmente por dentro da Terra e submetendo-se a uma zona de reversão gravitacional durante a passagem pelo núcleo, apesar de absurdo, constitui-se como um dos pontos fortes do longa.

Neste cenário, Douglas Quaid (Farrell) é um mero trabalhador da Colônia que sofre de recorrentes sonhos com uma mulher desconhecida, em uma situação onde os dois precisam fugir de policiais armados. Percebendo-se em uma situação (no sonho) em que se sente alguém importante, Quaid começa a se questionar sobre o que tem feito da vida, desejos inalcançáveis, conformismo, rotina.

Então, ele decide fazer algo por si mesmo e recorre aos serviços da Rekall, uma empresa que implanta memórias falsas fazendo-as parecer reais, de acordo com as especificações de seus clientes. Durante o procedimento, algo sai errado e Quaid descobre que seus frequentes sonhos e sua inquietude quanto à vida que leva não existem por acaso, sendo resquícios de uma vida que ele não sabia que tinha. A premissa é ótima e bem desenvolvida durante o primeiro ato.

A excelente direção de arte de Patrick Banister, que mantém um caráter orgânico em meio à estranheza, é bastante valorizada por Len Wiseman. O diretor se aproveita muito bem da cenografia para torná-la participante da ação, compondo uma dinâmica de mise-en-scène que faz com que os personagens interajam constantemente com o meio, tornando o ambiente participativo. A sequência de perseguição entre Quaid e sua mulher, Lori (Kate Beckinsale), é um bom exemplo disso. Os ângulos de câmera inusitados, assim como alguns “respiros” na ação, com planos abertos e movimentos de câmera leves, são muito bem-vindos neste sentido.

Infelizmente, quando o cenário muda, este elemento interativo se perde. O contraste visual entre a UFB e a Colônia é evidente, mas não é devidamente explorado. Os efeitos do ambiente sobre os personagens não são sentidos como antes, seja no âmbito físico ou psicológico. Podemos entender isso justamente como a sensação de deslocamento de Quaid em relação à UFB, que para ele só representa o ganha-pão, e não um lar. O problema é que esta ideia também não é desenvolvida, fazendo-nos pensar que realmente se trata de uma falha da direção.

Esta perda é acompanhada pelo roteiro de Kurt Wimmer e Mark Bomback que, se no início era cuidadoso ao apresentar o cenário, os personagens e a história, construindo aos poucos um universo próprio para o longa, depois se rende à ação genérica e desenfreada. A partir da segunda metade, o filme se torna obsoleto e previsível, negligenciando todas as subtramas existenciais (as questões internas de Quaid sobre sua identidade) e sócio-políticas (a rivalidade entre os dois territórios), assim como a unidade que havia proposto no início. Frases como “posso não saber quem eu era, mas sei quem eu sou” e diálogos pseudofilosóficos sobre passado e presente demonstram o nível superficial de discussão que o roteiro oferece.

Os personagens que surgem ao longo da história são fraquíssimos. Melina (Jessica Biel), importante para o desenvolvimento da trama, é reduzida ao estereótipo de thrillers, sendo apenas o par romântico e parceira de aventuras do protagonista. Mathias (Bill Nighty), líder da Resistência (nome nada original para o grupo da Colônia que almeja a libertação da tirania da UFB), não tem presença e nem diz a que veio. Cohaagen (Bryan Cranston), o grande vilão do filme, é apresentado e trabalhado às pressas, não condizendo com o seu nível de ameaça.

A fotografia de Paul Cameron tem apenas um defeito, mas é grande o bastante para comprometer quase toda a qualidade de seu trabalho. Trata-se do reflexo de luz na lente da câmera – sempre uma fonte de luz que está dentro do filme, claro –, proporcionando um efeito específico na imagem. Isto foi notavelmente realizado de forma proposital, pois chega a tomar boa parte da imagem, sendo bastante evidente e freqüente.

Além disso, é perceptível a simulação de boa parte deste truque na pós-produção, visto o artificialismo de alguns momentos, o que incomoda mais ainda. Talvez esta escolha se justifique pela intenção de representar visualmente a confusão na mente do protagonista sobre se o que está acontecendo é real ou imaginário, fornecendo um aspecto lúdico à imagem. Porém, tal interpretação não se sustenta totalmente, pois os reflexos continuam mesmo quando a questão não é mais relevante na trama.

O longa apresenta boas referências à versão original, tanto em aspectos narrativos quanto em citações e pequenas homenagens. Analisando em termos gerais, podemos dizer que o problema de “O Vingador do Futuro” é o mesmo de seu protagonista: a perda de identidade. Assim como Douglas Quaid, o longa apresenta possibilidades, mas não sabe como trabalhá-las decentemente. Tudo isso em prol do puro entretenimento que, por sua vez, também não é de qualidade.

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Thiago César é formado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), mas aspirante a cineasta. Já fez cursos na área de audiovisual e realiza filmes independentes.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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